A discussão do Orçamento, que todos os anos ocupa horas e horas na TV e na rádio, e consome páginas de jornais, tem muito pouco interesse. E isto por uma razão muito simples de explicar: porque nunca os orçamentos são cumpridos. São sempre alterados ou mesmo subvertidos. Assim, a questão mais interessante que os orçamentos colocam é mesmo o que pode resultar do seu chumbo ou aprovação.
Desde que este Governo tomou posse, é isso o que se discute.
O PS vai aprovar ou chumbar o Orçamento?
Pedro Nuno Santos quer ou não provocar eleições?
E o Chega?
Vai prosseguir nesta estratégia louca de bota-abaixo?
E o Governo?
Interessa-lhe ou não esticar a corda para provocar a rutura?
O debate sobre o Orçamento gira, assim, à volta de questões de pura tática política.
O conteúdo do Orçamento pouco interessa.
Mas terá também algum interesse saber se o Orçamento será chumbado e irá haver novas eleições a curto prazo? Nenhum. Pois, se houver eleições, nada se modificará.
Com um Parlamento formado por três grandes blocos, não haverá quaisquer condições de governabilidade.
Mesmo que o PS ganhe as eleições, não poderá governar – porque enfrentará sempre uma coligação negativa do PSD e do Chega.
O sistema político está bloqueado.
Mais do que isso: o sistema político está viciado.
Ao longo do debate do Orçamento, iremos assistir com frequência a uma aliança entre o PS e o Chega para a aprovação de medidas contrárias à vontade do Governo.
O fim do pagamento das SCUT foi apenas um aviso do que pode estar para vir.
Como dizia recentemente Guimarães Pinto, da IL, as propostas de alteração ao Orçamento poderão ser tantas e tão profundas que desvirtuem completamente o documento.
Pode no limite dar-se o caso de ser a AD a não querer, no fim, que o Orçamento seja aprovado, dada a quantidade de alterações introduzidas.
Estaremos no reino do absurdo: o OE apresentado pelo Governo ser chumbado pelos partidos que apoiam o Governo.
Mas a situação apresenta-se ainda mais preocupante, por outra razão.
É que – como se tem visto – as únicas medidas que o Governo consegue fazer aprovar e pôr em prática vão no sentido de aumentar a despesa.
E as propostas que o PS e o Chega aprovam vão na mesma direção.
Mas não só os políticos gostam de ser populares.
Um dia destes, observei na TV a um facto curioso: um comentador dizia que era impossível, por razões orçamentais, alargar a todas as forças de segurança o subsídio de risco atribuído à PJ, mas apressava-se a acrescentar: «Embora o subsídio à PJ seja justo».
O subsídio à PJ foi justo?
Se é impossível alargá-lo a outras forças em situação idêntica, não foi justo – foi injusto.
Criou injustiças.
Mas até os comentadores nos dias de hoje não têm coragem para ser impopulares. O que se compreende: muitos são também políticos e pensam na sua popularidade. E os outros vão na onda.
Enfim, o sistema está minado.
Ser popular é fácil – difícil é ser impopular. Os comentadores aplaudem o acordo com os polícias, o acordo com os professores, a descida do IRS, as creches gratuitas extensíveis aos privados, etc. Mas já fizeram os cálculos e viram se todos estes aumentos (e os que estão para vir) não põem em causa o défice, as famosas ‘contas certas’?
Eu receio que sim. Vem-me à cabeça o que se passou no primeiro Governo de António Costa.
O Executivo desencadeou uma onde de reversões que custavam muito dinheiro, havendo quem avisasse: «Cuidado, que o dinheiro não vai chegar».
Mas Centeno prosseguiu, as reversões continuaram – e só quando chegámos a meio do ano é que o ministro percebeu o que se passava; e aí deitou as mãos à cabeça, meteu travões a fundo e ordenou as célebres ‘cativações’ – que raparam tudo o que poderia rapar-se e reduziram o investimento público a zero.
E Centeno não era propriamente um homem inexperiente nem incompetente, como o futuro demonstraria.
Mas enganava-se redondamente.
Temo que estejamos numa trajetória semelhante.
Uma coisa é certa: não vamos por bom caminho.
Se o Governo não consegue fazer aprovar as medidas que propõe; se o PS e o Chega conseguem aprovar medidas que implicam aumento da despesa; se só conseguimos levar à prática as decisões populares, vamos mesmo por muito mau caminho.
Governar bem implica muitas vezes desagradar a muitos.
Com esta composição parlamentar, com este equilíbrio de forças, isso simplesmente não é possível.