No teatro da vida, onde os vícios são distribuídos como prémios de raspadinhas e os prazeres efémeros se disfarçam de petiscos gourmet, o “ópio do povo” é o prato principal num banquete de ilusões. E não, não se trata de uma qualquer substância alucinogénia que nos transporta para mundos etéreos, mas sim de uma espécie de Super Cola 3 que nos prende ao sofá, e nos deixa mais imóveis do que um “emoji” no WhatsApp.
Mas comecemos pelo ópio original, essa maravilha derivada do termo grego “ópion”, que significa “sumo de papoila”. Quem diria que este suminho de flor se iria tornar o Red Bull dos faraós, aliviava as dores, dava um empurrãozinho à euforia e, claro, ajudava-os a alienarem-se um pouco. Agora, se lhes dava “Aaasas”, isso já não sei, mas convenhamos, que para empilhar pedras até ao céu, é preciso mais do que um simples cafezinho.
Deixemos as margens do Nilo e zarpemos rumo ao século XIX, onde o ópio, de mero analgésico para as dores da alma, ascendeu a estrela principal de um drama geopolítico com um enredo digno de Oscar. As Guerras do Ópio, onde os britânicos, sempre tão práticos, decidiram que seria uma ideia brilhante viciar metade da China. O desfecho? Uma enorme ressaca histórica e um império em cacos. E ainda por cima, levaram o chá, que era o único consolo dos chineses. Foi, literalmente, uma falta de chá!
E se pensarmos bem, a alienação é um clássico que nunca sai de moda, um “Star Wars” da psique humana, mas sem aquele chato do Jar Jar Binks. De facto, desde o papiro de Ebers até ao “Big Brother”, passando pelo nacionalismo balcânico e o genocídio arménio, a humanidade mostra um apetite voraz por “distrações”. A história, afinal, não passa de um buffet “all-you-can-eat” de prazeres alucinogénios, onde cada um se serve do que mais lhe apetece, numa festa com bar aberto sem fim à vista.
E o que dizer de Karl Marx, esse venerável barbudo que mais parece um músico dos ZZ Top que, após ter sido rejeitado pela indústria musical, decidiu escrever o “Das Kapital” para se vingar? Ele disse que a religião era o ópio do povo, mas parece que subestimou o mercado. Hoje em dia, temos ópios à la carte, e não precisamos de ir à farmácia nem de mostrar o cartão de cidadão. Basta um telemóvel e uma ligação à internet para termos acesso instantâneo ao supermercado da ilusão, onde podemos encomendar uma pizza de loucura, com extra queijo de desorientação. E Marx, provavelmente a revirar-se na tumba ao som de um vinil riscado dos Abba, deve pensar: “Eu avisei-vos sobre o capitalismo, mas isto? Isto é a “rave” do absurdo!”
De facto a alienação coletiva fez um lifting, um verdadeiro “upgrade” no visual, pôs botox e agora desfila como influencer da manipulação, vestindo as massas com a última tendência da opressão e sorri de contentamento como quem acabou de vender a Torre de Belém numa promoção da “Black Friday2. Serve-nos, assim, um delicioso cocktail de medo e ignorância, com um twist de fanatismo tão apetitoso que até nos faz esquecer o gosto pela liberdade. E enquanto nos acena com a promessa de segurança e verdades absolutas, conduz-nos para um abismo de ilusões, onde a pseudo-liberdade é apenas mais um aperitivo no menu da servidão voluntária, entre as batatas fritas e os tremoços da submissão.
Nas redes sociais, a fábrica de fake news trabalha mais do que um cozinheiro em dia de feira, temperando a salada da desinformação com azeite rançoso e vinagre balsâmico de pacote. Os regimes autoritários silenciam as críticas com a subtileza de um elefante a fazer ballet numa loja da Vista Alegre. E os grupos extremistas, espalham a violência, com o fervor de um adepto de futebol, que vê o seu clube perder o campeonato no último minuto.
O mundo digital é um carrossel, cheio de “likes”, partilhas e seguidores, uma moeda de troca numa realidade virtual onde nos afundamos em memes e vídeos virais, numa busca desenfreada por validação externa. Andy Warhol previu que “no futuro, todos serão famosos por 15 minutos”, mas hoje, uns meros segundos são suficientes para inflar o balão da nossa alienação, com introspeções tão profundas quanto um pires, em posts de Instagram que mal chegam aos 280 caracteres. E claro, não nos podemos esquecer do pequeno-almoço “fit”, a selfie no ginásio e aquela viagem a Bali que, mesmo que seja uma farsa, o Photoshop faz maravilhas.
E depois, temos o cidadão comum, que ficou sem internet porque não ter pago a conta da luz, veste o colete fluorescente e sai à rua, não para protestar numa qualquer manifestação extremista, mas para partir a loiça toda e mandar uns carros pelos ares, como se fosse o Rambo em “Programado para matar”. Ou aquela eterna solteirona que passa o dia a ver vídeos de gatinhos fofinhos e que segue cada miau como se fosse uma revelação divina, convencida de que os felinos são os novos gurus espirituais, mestres “zen” na arte de desvendar os mistérios do universo.
Mas, meus caros leitores, porque é que nós, criaturas de hábitos e confortos, procuramos todos estes “ópios”? Será que a vida é tão chata que precisamos de nos intoxicar permanentemente com ilusões para a suportar? Talvez, no fundo, todos ansiemos por um sítio onde a realidade não nos possa dar um puxão de orelhas. Um nirvana digital onde somos todos super-heróis, sábios com diplomas imaginários (alguns até obtidos ao domingo!) ou mestres yogis na nobre arte do “dolce far niente”. Ou talvez, estejamos apenas a tentar escapar da óbvia constatação de que somos meros humanos, com todas as nossas falhas e imperfeições, numa busca desesperada por validação num mundo que parece valorizar mais a aparência do que a substância.
Religião, política, futebol – os grandes circos romanos da era moderna, onde todos são simultaneamente gladiadores e espetadores, a aplaudir ou a vaiar ao sabor das arenas virtuais. Trocam-se opiniões, e de opiniões, como quem troca cromos, cada um a achar que tem a coleção mais completa, sem se dar conta que no final do dia, são só pedacinhos de papel. E lá vamos nós, seguindo a manada, inchados de importância, sem nos apercebermos que somos só mais um, tão influentes como uma formiga que decide mudar de carreira e ser abelha.
Mas não se deixem enganar. Existem outros ópios, mais requintados, mais eruditos, mais cultos. Ópios que nos fazem inchar o peito só porque debitámos uma frase de Nietzsche em pleno debate sobre a última chicotada psicológica no Big Brother. Esses ópios culturais que te convencem que és a reencarnação de Fernando Pessoa só porque alinhavaste uns versos onde “coração” rima com “paixão”.
Sim, estou a falar dos livros. Esses blocos de papel que são como tapetes mágicos para as mentes inquietas, mas que também podem ser armadilhas de papelão para os sonhadores desavisados. Os livros, o ópio dos pseudo-iluminados que preferem debater a metafísica do sexo dos anjos em vez de enfrentar a fila do supermercado.
E eu que o diga, porque para além de ser mais um a contar trocos na fila do Pingo Doce, sou um confesso junkie literário, um toxicodependente das palavras. Passo os dias a devorar páginas, a escrever linhas que ninguém lê e a matutar em ideias que ninguém escuta. Sou um fantoche nas mãos dos autores, um súbdito fiel do reino da ficção. Sou um ópio-dependente, um ópio-entusiasta, um ópio-fóbico. Admito!
Por isso, atirem-se também aos livros, percam-se nas suas páginas, deixem-se iludir pelas suas narrativas, vão ver que também é um excelente ópio. Aspirem a ser como Fernando Pessoa, que encontrava na literatura o mais doce dos esquecimentos da vida, ou como Oscar Wilde, que desdenhava a moralidade dos livros.
Por tudo isto e muito mais, sejam dependentes, sejam irreais, sejam escravos, dos livros e de todos os ópios e miragens que pintamos com as cores da fantasia. Sejam, como diria Camus, “rebeldes que afirmam a sua humanidade diante do absurdo”, ou sigam o conselho do Woody Allen, esse grande desastre do clarinete moderno, e tentem ser felizes mesmo na miséria do quotidiano.
Mas, por obséquio, não caiam na tentação do prazer instantâneo e fugaz. E, acima de tudo, façam o favor de ser felizes, mas não se esqueçam de ler as instruções! E de pagar os impostos, porque o fisco é implacável. E de usar máscara, porque o vírus não está para brincadeiras. E de votar, porque a democracia não se alimenta de abstenção. E de… bem, já perceberam, não é? Sigam o guião. Boas leituras e… cuidado com a ressaca cultural!