Trump, uma carta fora do baralho

Não sendo eu um emergente, a figura de Trump não me faz qualquerconfusão.

Quando, em 2016, surge na sua campanha para as primárias, Trump desperta a hilaridade e o desprezo da casta. Que menospreza aquele ‘rústico’ de modos bruscos e cabelo alaranjado, tão fora dos padrões da oligarquia instalada em Washington. Era uma carta fora do baralho. Os emergentes tendem a menosprezar quem lhes não copia os tiques possidónios. Um erro que as velhas aristocracias nunca cometem. Assim, sorriram e foram à sua vida e às suas campanhas, zelando para que alguma coisa mudasse, para que tudo pudesse ficar na mesma, seguindo a cínica tirada de Tancredo, o sobrinho vivaço do velho príncipe de Salinas.

Fizeram mal. Quando acordaram o ‘bimbo’, o ‘caipira’, o ‘grunho’ estava sentado na secretária da Sala Oval da Casa Branca. Esfregaram os olhos, mas já nada havia a fazer que não tratar de prevenir o futuro. E aí começou o mais formidável e contínuo fogo de barragem a partir dos media ditos ‘de referência’ a que alguma vez se assistiu. E isso a nível global.

Coisa que não acontecia há décadas, foram quatro anos sem guerras, sem águas turvas a serem agitadas para que um certo tipo de pescadores poderem pescar.

Passaram os quatro anos e Donald Trump não é reeleito. Mas havia que evitar, a todo o custo, que ele se recandidatasse nas eleições seguintes. Continuou a campanha na comunicação social, surgiram processos-crime de todos os lados que acabaram por esbarrar nas instâncias superiores. Era possível a nova candidatura. Chegam as primárias do Partido Republicano e Trump é esmagadoramente eleito como candidato do Partido Republicano.

Perdida a esperança na eficácia dos processos, aparece o costumado solitário a cometer um atentado. Que quase miraculosamente falha. Como rotundamente haviam falhado os serviços secretos, «o maior falhanço das últimas décadas» segundo nos diz a demitida responsável por esses serviços.

Falhado o atentado, os grandes chefes da tribo democrata escorraçam Biden da candidatura. Um verdadeiro golpe de estado dentro do partido: Biden havia sido eleito, nas primárias, com 85% dos votos. Como as sondagens eram desfavoráveis a Biden, Biden foi democraticamente lançado pela borda fora, num impar exemplo de perfeita e sã democracia.

Mas, pasme-se, enquanto procedem desta forma, os democratas e os jornalistas é a Trump que acusam de ser um perigo para a democracia. Nos Estados Unidos, como na Europa, os partidos ditos ‘populistas’ são acusados de porem em perigo a democracia. Sim, admito que o sejam, mas apenas para a peculiar ‘democracia’ dos usufrutuários do sistema. George Orwell, o singular profeta que anteviu os tempos que estamos a viver, no seu Animal Farm fabuliza um mundo onde «todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros». Nesse mundo, que é hoje o nosso, a democracia de que se fala é a que serve os ‘mais iguais’.

Contra essa democracia e em nome da verdadeira democracia, a democracia dos ‘outros’, aquela que consolidou a nossa civilização, muitos são os que estão contra. E com toda a razão. A democracia tem de ser recuperada na sua pureza.

Não sendo eu um emergente, a figura de Trump não me faz qualquer confusão. Gosto da sua coragem para ser uma carta fora do baralho e da sua inesgotável energia. E, só para me poder sorrir da fúria da comunicação social ‘de referência’ e do terror nos olhos dos hierarcas do sistema essa vitória só por si já valeria a pena.