Entender a perspetiva Americana

Fora das fronteiras a grande preocupação americana é com a China. Não tanto em termos militares mas em termos de perda de empregos para mercados asiáticos.

Nova Iorque, julho 2024

Queridas filhas,

Uma das vantagens de viajar consiste em ver o seu próprio país através de outra perspetiva. Um exercício muito rico para perceber o que é essencial e o que é acessório. Com as eleições americanas em plena campanha atual, noto que nos media portugueses há uma perspetiva americana muito diferente daquela que os americanos têm de si próprios. Isso leva a confusões e falsas assunções do que os cidadãos americanos pensam. Não havendo espaço para discutir tudo, vou apenas indicar algumas áreas em que o discurso em Portugal (e na Europa) se afasta da realidade vivida no terreno.

1 – A Europa trata os “americanos” como uma entidade homogénea. Esse é um grande erro base. Não há sociedade mais diversa que a sociedade americana. De comunistas a libertários. De ateus a mórmons e comunidades Amish que rejeitam a eletricidade. De agricultores a colonizadores de Marte. Nos USA há uma diversidade de crenças, raças, sonhos e preferências políticas muito grande. O “ethos” americano é o de um explorador. Abrir novos horizontes e ver se algo de bom se aproveita. Todos os projetos de vida têm lugar neste continente. Ninguém penso o mesmo que o outro.

2 – Como país, os USA têm muito menos interesse do que se passa fora das suas fronteiras do que os outros países que conheço. Fruto de uma posição geográfica muito segura (por dois oceanos), uma elevada e crescente população, e altos recursos naturais. Nos USA não se sente a necessidade de ter muito contato com o mundo de fora. As grandes fortunas fazem-se internamente. De fora teme-se mais más notícias: guerras, terrorismo, choques petrolíferos, … Isto revela-se nas eleições em que o tema principal sempre é a economia.

3 – A opinião dos países externos sobre os USA não os preocupa. Algumas elites em NY e Califórnia podem ser sensíveis a esse tema. Mas a grande maioria do país não é. Uma grande parte acredita que se na Europa se gosta da administração atual, isso é sinal de que esta tem-se preocupado mais com o exterior do que com a economia americana, o que custa votos nas próximas eleições.

4 – A imigração é vista como algo que deve se basear no mérito e não na falta de controlo de fronteiras. Como filhos de emigrantes, os americanos em geral veem com bons olhos a imigração. Mas estão contra a falta de controlo de fronteiras que deixa entrar pessoas sem qualquer identificação, incluindo criminosos, enquanto se tira lugar a famílias de trabalhadores qualificados que seguiram as regras nos seus países de origem e se candidatam a visto.

5 – Fora das fronteiras a grande preocupação americana é com a China. Não tanto em termos militares (se bem que também se teme essa confrontação) mas em termos de perda de empregos para mercados asiáticos. Muitas comunidades viram os principais empregadores irem à falência neste processo. Isso deixou famílias na miséria, levou ao aumento de uso de drogas e criação de um sentimento de perca de esperança e desespero. No seu best-seller “Hillbillly Elegy”, JD Vance (atual candidato a vice-presidente pelos republicanos) conta a história da sua juventude numa destas comunidades. Isto abriu os olhos das costas (NY e California) ao que se passa na vida destas comunidades do meio dos USA. A Netflix fez um filme baseado nesta obra que vale a pena ver: “Lamento de uma America em Ruinas”

6 – Ao contrário da Europa, os USA mantem um ceticismo de “peritos”. Viram previsões falhar durante o Covid, viram a falta de controlo nos bancos regulados durante a crise de 2008, veem notícias que depois são desmentidas (colusão com Rússia). Em termos epistêmicos, a sociedade americana está muito mais perto da Filosofia de Sócrates. Desconfia de pessoas que puxam das suas credenciais para lhes dizerem o que fazer. Acreditam mais, em quem arregaça as mangas constrói algo e depois dá conselhos aos que veem atrás. Por exemplo, o mercado europeu altamente regulado pela Uniao Europeia é algo que os americanos veem como muito negativo e a não ser copiado.

7 – Optimismo. Quando estive no Brasil disseram-me que Deus era brasileiro. Em Espanha falaram-me do orgulho Espanhol. Em França do bom-gosto. Pois bem, nos USA existe um oceano de otimismo. Qualquer que seja a crise, a autoconfiança da sociedade nunca esmorece. Sempre se acredita que o futuro será melhor que o passado. Que por caminhos tortuosos dias mais felizes e maior progresso chegarão. Quem tem dúvidas, é puxado para o lado, pois sempre há uma energética falange de gente que acredita que já estão a construir um melhor futuro para si, as suas famílias e o seu país. Esse sonho atrai imigrantes que acreditam o mesmo, e desde que me mudei para cá há 22 anos, nunca vi essa chama morrer.