Feyenoord: um dos grandes nomes do futebol da Europa, De Club van het Volk (o Clube do Povo) como lhe chamam os holandeses, ao fim ao cabo como o Benfica em Portugal. Ambos os clubes encontraram-se no Estádio da Luz, no domingo passado, para a Eusébio Cup que a equipa da casa conquistou com uma goleada de 5-0. Foi um jogo com história. Com muita história. Sobretudo por causa de duas eliminatórias da Taça dos Campeões que ficaram marcadas na memória dos benfiquistas, que ainda as relembram. A primeira foi na época de 1962-63, nas meias-finais, com um empate a zero em Roterdão e com vitória portuguesa em Lisboa por 3-1. A segunda, aquela que aqui me trás, ao fim ao cabo, em 1971-72, tinha sido o Feyenoord campeão europeu no ano anterior, e à derrota por 0-1 na Holanda respondeu o Benfica com um tremendo 5-1 na Luz que ficou como uma das mais brilhantes noites europeias dos encarnados, tão saudosos que andam delas. Mas já lá vou. Primeiro passo por este nome estranho que acabou por nos entrar nos ouvidos tantas vezes que deixámos de o estranhar.
Foi uma personagem chamada Feye van der Does que começou com tudo. Andava à procura de um sítio sossegado para construir uma casa onde passar o resto da sua vida, que fora agitada que chegue até aí, quando se deparou com o local ideal: uma pequena ilha no meio das águas do rio Mosa. Chamou-lhe, com uma simplicidade aflitiva, o Lugar do Feye, ou em flamengo Feye’s oord. Ora, isto passou-se no ano de 1450, há muito para explicar a partir daí, ou melhor, o que há para explicar aconteceu muito tempo depois, no início do Século XX. Um grupo de rapazes frequentadores da Igreja Wilhelmina começou a jogar futebol na ilha que Feye deixara ao abandono depois da sua morte. Como sucede nestas ocasiões, os moços resolveram fundar um clube e deram-lhe precisamente o nome de Wilhelmina. Isto em 1908. No dia 18 de julho, quando se encontravam a escorropichar cervejas num pub chamado De Vereeniging. Era um nome pouco entusiasmante. Não admira por isso que nos anos que se seguiram outros fossem surgido no seu lugar: Hillesluise Football Club e RVV Celeritas, por exemplo. Continuava assim para o desenxabido. Algum mais essencialmente prático propôs adotar a nomenclatura do bairro que nascera nas terras do velho Feye. Primeiro escrito Feijenoord; depois alterado para Feyenoord. E seguiu o seu caminho até se tornar um dos maiores clubes da Holanda e, em seguida, do Velho Continente, quando os Países Baixos decidiram aderir ao profissionalismo, algo que só aconteceu de forma sistemática nos anos 60.
O enxovalho da Luz
História contada, vamos a outra história. Dia 22 de março de 1972. O Benfica continuava na perseguição da sua terceira Taça dos Campeões Europeus, já tinha perdido três finais após as duas ganhas, ninguém imaginava o que seria preciso esperar para voltar a outra. Nessa noite toda a gente saiu do estádio convencida que podia ser nesse mesmo ano tal o enxovalho com que os jogadores às ordens do inglês Jimmy Hagan haviam sujeitado o campeão holandês.
No De Kuip, Laseroms fizera o resultado com um golo aos 47 minutos. Em Lisboa, como titulou o_Diário de Notícias, existiram «15 Minutos que a Holanda não_esquecerá». O jogo teve início às 21h45, já todo o resto da Europa dormia. O Benfica jogou com José Henrique: Artur Correia, Humberto Coelho, Messias e Adolfo; Jaime Graça e Toni; Nené, Artur Jorge, Eusébio e Jordão. Que quarteto atacante maravilhoso. A força de Toni conjuga-se com a habilidade de passe de Graça. Treytel é um guarda-redes entregue às feras. E Van Hanegan, o enorme Van Hanegan, um ponta-de-lança solitário que o Ernst Happel deixa ao abandono.
Nené e Jordão são duas flechas imparáveis que rasgam a defesa do Feyenoord em pedaços como se fosse feita de papel. Eusébio é ele e o seu nome assustador, feroz Pantera Negra voraz e esfomeada. Aos seis minutos já Nené tinha igualado a eliminatória. Era tempo para a paciência e o Benfica teve-a. Não atacou de imediato com todas as suas ganas, foi massacrando a defesa contrária com ondas sucessivas até que Jordão, ao passar da meia hora, marcou o segundo golo. Tudo corria bem. O lugar nas meias-finais parecia estar reservado para os que vestiam de camisolas vermelhas, contrariando o equipamento verde do adversário.
Mas a fúria encarnada esmoreceu no segundo tempo. A pouco e pouco, de forma subreptícia, o Feyenoord explorou contragolpes. Num deles, Van Hanegen reduz e devolve a eliminatória para o lado de lá. Estão decorridos 75 minutos. Os 15 que faltam serão tão inacreditáveis que muitos duvidaram dos seus olhos.
Com Eusébio ligeiramente mais recuado em relação aos seus três companheiros da frente, a forma como Nené e Jordão insistem em aparecer na área holandesa vindos das alas é arrepiante para quem tem de controlá-los. O capitão Israel leva as mãos à cabeça quando Nené faz o 3-1 aos 81 minutos. Mas ainda não basta. A águia está endemoninhada. Não para de bicar os infelizes que se desfazem na sua frente. Jordão marca o quarto aos 87 minutos e Nené completa o ‘hat-trick’ em cima do apito final do árbitro Clive Thomas. A gigantesca festa vermelha rebenta numa Luz em flor.