Querida avó,
Celebrámos na sexta-feira passada o Dia dos Avós.
Jamais irei esquecer os meus. Existem memórias que ficam sempre gravadas nos netos. O cheiro da lata do café da avó Vitória, a tesoura de podar do avô João, o ferro a carvão com que a avó Clementina engomava a roupa, a telefonia onde o avô Alberto ouvia cantar as irmãs Rodrigues…
Hoje, sinto-me um privilegiado por te ter a ti e ao Ruy de Carvalho como avós de adoção.
No entanto, os meus avós biológicos são os pilares das iniciativas ‘Retratos Contados’.
Certamente, as memórias que os teus netos irão recordar de ti são completamente diferentes.
Nunca foste uma avó “convencional”. És uma avó moderna que fala para todas as avós modernas. Daquelas que amam os filhos e netos mas que, se calhar, ainda trabalham (e, quem sabe, até têm namorado).
És uma avó que todos os miúdos e graúdos conhecem (culpa da Rosa, Minha Irmã Rosa). Tanto falas de coisas sérias dos jornais como te divertes a escrever livros com cheiro a chocolate (e a morango e a baunilha e a caramelo).
A tua casa é um lugar onde só entram os Amigos. Onde no Verão a sala se transformava numa praia improvisada e com os netos a chapinhar em piscinas insufláveis (debaixo de uma chuva de regador).
És uma apologista das brincadeiras, e das festas, mas da ordem também. As tuas netas bem se podiam mascarar de Barbies e os netos de Piratas das Caraíbas, mas todos tinham regras a cumprir. Criaste estatutos, que todos tiveram de assinar, pobres criaturas.
És um baú de surpresas. Ouvem-se gargalhadas lá dentro e está cheio de magia e memórias. Todas as avós deviam seguir o teu exemplo. Partilhas as tuas histórias, alegrias e aflições.
Que bom que é ser teu neto e termos realizado o pré-lançamento do nosso novo livro no dia dos avós.
Até já
Bjs
Querido neto,
Como sabes, tenho uma ligação extraordinária com os meus quatro netos, biológicos.
Também sabes que nunca fui uma “avó a dias”. Existem histórias dos meus netos que jamais irei esquecer. O meu neto Diogo, por exemplo, quando era criança adorava inventar histórias e, na maioria dos casos, fazia-o através da banda desenhada.
Às vezes a escrita não acompanhava lá muito bem os desenhos, e nunca me esqueço de uma em que ele, logo ao princípio, anunciava que o herói da história ia meter-se dentro de um poço para ver “ucláçpaçava”.
Depois entrou para a escola e começou a escrever bem melhor. Para além disso tinha uma imaginação extraordinária. Guardo sempre uma b.d. que ele fez chamada “A Avó do Hitler”, e que sei quase de cor. Criança muito politizada, era óbvio que não ia contar uma história qualquer.
Os meus avós tinham comprado uma quinta, para os lados da Lourinhã, a Quinta da Carrasca (que ainda hoje existe), que segundo a tradição, tinha sido feita para acolher o Hitler no fim da guerra. A casa tinha sido comprada toda mobilada, e lembro-me que havia águias por toda a parte: nos tapetes, nos quadros, nos jarrões, etc. As paredes eram larguíssimas porque se dizia que as pessoas podiam andar dentro delas, e iam sair a um poço que havia na estrada (e que também ainda existe).
E a história era mais ou menos assim:
«Todas as pessoas têm uma avó. O Hitler também tinha. Mas a avó do Hitler também pertencia à Maçonaria. De vez em quando lá ia ela de moto encontrar os Irmãos mas, pelo caminho, aproveitava e apanhava judeus, que depois levava presos para a Carrasca, onde ninguém lhes disse que a guerra já acabou, e ainda lá estão hoje, dentro das paredes, à espera de que alguém se lembre de os ir libertar».
Como se vês, imaginação nunca lhe faltou…
Celebremos os avós e os netos.
Bjs