Com o aproximar das eleições nos Estados Unidos, republicanos e democratas não podem correr o risco de contestar as políticas de Israel. Num país em que as questões internacionais são tantas vezes irrelevantes, as que dizem respeito a Israel são vistas como domésticas pelos eleitores. O lóbi judeu é o grande financiador dos dois partidos dominantes, e isso fez-se sentir na sessão do congresso americano onde Netanyahu recebeu aplausos que há muito não recolhe em Israel.
Se dúvidas houvesse de que Israel é um tema interno dos americanos, basta ver como Netanyahu se referiu a quem se manifestou contra a sua visita, apelidando-os de «idiotas úteis» ao serviço do Irão. E disse ainda que os pacifistas deveriam ter vergonha de estar «ao lado do Hamas», recolhendo grandes ovações dos embevecidos congressistas que estiveram na sessão.
É verdade que a administração Biden tem verbalizado o seu incómodo com as ações do exército israelita em Gaza, mas essas advertências são tiros de pólvora seca. Israel conta com o beneplácito americano, mesmo em ações que têm um caráter eminentemente punitivo. Aliás, Netanyahu preferiu enfatizar, no seu discurso, que estava a combater o Irão, através de proxies como o Hamas e o Hezbollah, do que referir a libertação dos reféns como objetivo último da operação em Gaza.
O endorsement que recebeu no Congresso dá a Netanyahu apoio continuado a uma guerra que lhe convém e, desta forma, garante a sua sobrevivência política. Enquanto durar a ofensiva, a sua liderança resistirá à oposição e ao protestos dos seus concidadãos. Não haverá alteração no statu quo do Médio Oriente, pelo menos até à tomada de posse do próximo presidente americano.
Se Trump vencer a eleição – e este cenário é potenciado pela erosão do eleitorado democrata, em particular dos pacifistas e da comunidade muçulmana –, não é evidente que Israel escape à política isolacionista que o candidato republicano quer aplicar à Europa.
Trump considera que Netanyahu o traiu quando saudou a vitória de Biden em 2020, e pode não querer que os Estados Unidos continuem a pagar o apoio militar e a sofrer o desgaste reputacional que as ações de Israel causam. Por seu turno, se Harris vencer as eleições, terá menos contemplações do que Biden na relação com Israel. Aliás, já deixou clara a sua posição crítica, durante a visita de Netanyahu.
Em qualquer cenário pós-eleitoral, os estrategas sabem que, depois dos fiascos no Iraque, Líbia e Afeganistão, as campanhas punitivas por norma resultam em desastre. Além disso, a diplomacia percebe que o apoio incondicional a Israel está a minar a confiança de aliados e amigos, como a Turquia e o Egito, a afetar as relações transatlânticas, a legitimar a forma como a Rússia bombardeia alvos civis na Ucrânia e a empurrar muitos países, e não apenas no Médio Oriente, para a esfera de influência do novo eixo Pequim-Moscovo.
Mais: os serviços secretos suspeitam de que o Irão está a semanas de ter um arsenal nuclear. Donde, a escalada do conflito no Médio Oriente afigura-se inevitável, se Netanyahu persistir na sua estratégia.
Tudo isto irá pesar na política americana, passadas as eleições. A realpolitik será, então, mais importante do que o financiamento partidário, alterando as ligações incestuosas entre Washington e Jerusalém.
É possível, pois, que dentro de meses se conclua que a inflamada intervenção de Netanyahu no congresso fez dele um idiota útil, um mero joguete na eleição mais dramática do século.