Quando António Costa se tornou primeiro-ministro sucedendo a Pedro Passos Coelho – num golpe constitucional que inaugurou na política portuguesa uma nova fase –, reverteu quase todas as medidas do anterior Governo que eram passíveis de reverter, tentando criar a ideia de que Passos Coelho fizera tudo mal e era necessário recomeçar do princípio. Até se chegou a dizer que a ‘saída limpa’ do programa da troika fora afinal uma ‘saída suja’.
A privatização da TAP foi apressadamente anulada, com consequências que viriam a ser trágicas para as finanças do Estado.
A semana de trabalho na Função Pública voltou a ser de 35 horas semanais, com o ministro das Finanças a assegurar que isso não custaria um euro aos contribuintes – o que se revelaria completamente falso.
As reversões levaram a um aumento súbito da despesa e do défice, obrigando Centeno a recorrer às célebres cativações, como escrevi em crónica anterior.
E isso constituiu uma lição para António Costa.
Que foi aprendendo que o dinheiro não estica – e se tornou muito mais cauteloso.
Embora aqui e ali fosse distribuindo subsídios a setores que podiam dar mais votos, noutros campos tornou-se um negociador duro.
Aguentou durante anos, sem ceder, uma reivindicação dos professores relativa à reposição do tempo de serviço. Aguentou uma prolongada reivindicação dos polícias (depois do deslize de ter aumentado individualmente a PJ).
Aguentou reivindicações dos médicos.
Tornou-se até arrogante – como quando avisou os portugueses, através da revista Visão: «Habituem-se!».
É curioso que, com todas estas polémicas (e já não falo dos incêndios de Pedrógão e do roubo de Tancos), António Costa tenha saído do Governo com razoáveis níveis de popularidade.
Após oito anos de desgaste, com a covid pelo meio, saiu de S. Bento por cima – e com uma imagem internacional que lhe permitiu ascender à presidência do Conselho Europeu.
Isto mostra que fez uma ótima gestão do poder.
Um dia escrevi que Costa não era propriamente um estadista – para o que lhe faltava a dimensão de fazedor, e a costela de reformador –, era um ‘gestor do poder’.
E essa qualidade ficou bem à mostra.
Luís Montenegro, ao tornar-se primeiro-ministro, fez um pouco o mesmo número que tinha feito o antecessor: o país estava cheio de injustiças e problemas pendentes, e era ele o homem escolhido para os resolver.
Era o ‘tio de Espinho’, que vinha do Norte com dinheiro no bolso e muito boa vontade para corrigir as injustiças.
E está a conseguir – reconheça-se – fazer passar essa ideia.
Montenegro é hoje visto, de uma forma geral, como um homem sério, esforçado e bem intencionado.
Tem sempre um sorriso no rosto – não um sorriso trocista, como o de António Costa (cujo motivo era muitas vezes incompreensível), mas um sorriso simpático, aberto, sem intenções reservadas.
E tem resolvido problemas bicudos, conseguindo fazer acordos com os professores e com os polícias, que se revelavam dificílimos.
Mas atenção: resolveu os problemas à custa de quê?
Do seu dinheiro, trazido de Espinho nos bolsos das calças?
Não: à custa do dinheiro dos contribuintes.
Os políticos não dão nada a ninguém.
Para satisfazerem despesas imprevistas, passam o dinheiro de uma rubrica para outra ou pedem emprestado, aumentando a dívida pública.
Só que isso tem limites – pelo que a imagem do ‘tio de Espinho’ que veio para Lisboa tentar desatar alguns nós que os lisboetas não conseguiam desfazer não se pode prolongar por muito mais tempo. Um destes dias, Luís Montenegro tem de deixar de ‘dar’ para começar a ‘governar’. E ‘governar’ implica por vezes ‘desagradar’. Mas como não dispõe das alavancas que lhe permitam fazê-lo, só tem uma de duas hipóteses: ou faz um acordo com o Chega (no qual não acredito) ou se demite e provoca eleições, invocando que não o deixam governar.
Foi mais ou menos o que fez Cavaco Silva em 1987.
Mas se o ‘tio de Espinho’ não conseguir repetir a façanha de Cavaco nessa altura, quando alcançou a primeira maioria absoluta, o que virá a seguir?
Continuará tudo como está?
Os políticos ainda não perceberam que é urgente tornar o país governável – e que isso só se conseguirá com uma mudança do sistema eleitoral.
Voltarei ao tema na próxima semana, com novos dados.