O Matuto foi acometido por uma dor de dentes. Uma visita ao dentista impunha-se. Na sala de espera da elegante dentista do Matuto, Dona Vanessa, o ambiente era aconchegante. O Matuto bebeu uma água de sabor a menta, com pedaços de fruta. O Matuto gostou dessa experiência líquida. Será que a menta tem efeitos analgésicos? E todos aqueles pedacinhos de fruta cortados aos quadradinhos certinhos, direitinhos… Que dedicação! Que esmero! Que rigor clínico! Afff! Que pachorra! Entretanto, o Matuto começou a ler uma revista antiga. Também disto o Matuto gosta. Uma espécie de arqueologia literária. Era uma revista banal. Lestamente o Matuto quedou-se pela secção dos fait-divers. O artigo dava conta de como o ex-presidiário-actual-presidente Lula recebia na prisão, a visita regular dum barbeiro. Embora profundo conhecedor das subtilezas capilares, o Matuto antipatiza com o personagem com nome de molusco – criaturas eticamente invertebradas, sem coluna vertebral. Todavia, o aparado da barba influencia o humor. O Matuto é um grande defensor do bom humor. Ele sempre se guiou pela máxima de que quem se leva demasiado a sério, não é filho de boa gente. E por tabela quem cuida demasiado do seu aspecto barbal, tem culpas no cartório. Mas adiante… De acordo com o artigo, o Matuto ficou a saber que o nome do barbeiro é Eliseu Clemente e que é dono da Eliseus Clement Cabeleireiros. O Matuto achou muito bem que o barbeiro mudasse o seu primeiro nome para o registo plural e que desse um toque mais francês ao seu sobrenome. O sucesso é garantido quando acontece em estrangês. O Matuto também aprendeu pelo artigo que o barbeiro Eliseu Clemente, guardou segredo lá em casa, das suas visitas quinzenais ao personagem com nome de molusco. Afinal, de visitas a invertebrados e corpos moles, não reza a história. De facto, o assunto guindou-se aos níveis de uma ‘PCC’ – Possibilidade de Crise Conjugal. Conta o artigo que a Dona Débora – esposa do barbeiro – armou-se de desconfianças com as saídas regulares, do barbeiro Eliseu Clemente, às duas da tarde, e deu em cismar. Falta aqui adicionar um detalhe essencial: O salão do barbeiro Eliseu Clemente, é mesmo em frente à residência familiar. Por isso seria natural, do outro lado da rua, a Dona Débora dar umas espreitadelas disfarçadas (é a célebre práctica do curtain twitching – espreitar entre as cortinas – segundo os Ingleses, especialistas nesta arte social). Vai daí, o bom do barbeiro achou melhor abrir o jogo. O Matuto, enlevado, continua a leitura. O barbeiro confessa no seu relato que – “como na prisão não tem cadeira de barbeiro, o jeito é improvisar. Eu viro ele de frente para a TV e vou fazendo o serviço”. O Matuto espanta-se… Uma cadeira de barbeiro é um objecto sagrado. Sem cadeira adequada, é difícil todo o ritual de “queixo espetado”, “cabeça levantada”, etc. É como ir ao dentista, e não haver cadeira de dentista. Quem já ouviu falar numa coisa dessas! Sem cadeira no dentista para onde se cuspirão os detritos bucais? Sem cadeira de barbeiro como ter a posição correcta de corte e aparamento? As orelhas correm perigo! Certo, mas adiante… O Matuto logo em seguida descobre que o personagem com nome de molusco, foi presente a uma juíza. E pelo andar da carruagem as coisas não correram de feição, ao personagem com nome de molusco, barbeado pelo barbeiro Eliseu Clemente que é casado com Dona Débora, praticante olímpica de espionagens cortinadas que desvendam eventos acontecidos, no salão Eliseus Clement Cabeleireiros. A juíza era durona (Gabriela Hardt) e o personagem com nome de molusco, o invertebrado ético, não teve boas maneiras. O Matuto lamentou o ocorrido. Recebera educação primorosa e austera que enfatizava ser o respeito para com uma senhora, muito bonito. O Matuto ponderou nesta circunstância… Era bem possível que a truculência do personagem com nome de molusco, resultasse da sua altivez capilar. De melena cortada e cabelos faciais que nem relva (grama, no Brasil, por favor) aparada, o sujeito não mais se sentiu um invertebrado. Pelo contrário ganhou tiques de gente. O Matuto ficou matutando na moral da história: moluscos, barbeiros, esposas desconfiadas e juízas abespinhadas, não se devem misturar.
O Matuto e o Molusco
O Matuto é um grande defensor do bom humor. Ele sempre se guiou pela máxima de que quem se leva demasiado a sério, não é filho de boa gente.