Qual é a tua estratégia?

Em Portugal, a posição sobre a estratégia industrial é das poucas coisas importantes que divide PS e PSD.

Caída no esquecimento durante décadas, a política industrial (PI) está de volta, sobretudo nas economias capitalistas mais avançadas. Vejam-se os exemplos recentes dos Green Deal e Horizon 2020 na União Europeia ou dos Infrastructures Act, Inflation Reduction Act e CHIPS Act nos EUA. Este regresso trouxe, também, o debate sobre os seus méritos e possibilidade prática.

Em Portugal, a posição sobre a estratégia industrial é das poucas coisas importantes que divide PS e PSD. O PS defende a necessidade de fazer escolhas e canalizar incentivos por forma a «acelerar e aprofundar a alteração do perfil de especialização da economia». O PSD, por outro lado, parece preferir intervenções ‘horizontais (ao nível legislativo, fiscal, regulatório, de formação e de desenvolvimento de infraestruturas) que não priorizam esta ou aquela atividade (com exceção, não resistindo a ser mauzinho, do turismo). As diferenças ficaram bem patentes no debate em torno da redução de IRC, onde o governo defendeu uma redução geral das taxas enquanto que o PS preferia uma redução dirigida a certas atividades ou associada a algum condicionalismo.

Sem questionar as imensas virtudes dos mecanismos de mercado na criação de riqueza e promoção do bem-estar, as sociedades podem legitimamente desejar prosseguir objetivos que o setor privado e os mercados por si só dificilmente alcançarão. Este é o espaço da PI (e, em geral, das políticas públicas), ou seja, das políticas que visam transformar a estrutura da atividade económica para alcançar objetivos como a segurança na cadeia de abastecimentos, o estímulo à inovação, a transição climática ou, simplesmente, garantir que existem ‘bons empregos’.

No plano dos princípios parece difícil, a não ser por motivos puramente ideológicos, objetar à política industrial em si mesma. As objeções são, sobretudo, práticas. Como alguém disse, não é tanto o saber ‘se deve existir’, mas, antes, o ‘como executar’. A histórias é fraco guia pois tem de tudo em situações dificilmente comparáveis. Às experiências bem-sucedidas do Japão, Coreia do Sul, Singapura ou Taiwan contrapõem-se os fracassos como a política de substituição de importações em África ou na América Latina. Ou, numa escala mais modesta, temos o sucesso da Airbus e o fracasso do Concorde.

A capacidade para levar a cabo uma PI audaciosa num mundo complexo enfrenta restrições de natureza política e de natureza técnica e administrativa. A PI implica sempre escolhas pelos poderes públicos – promover A e não promover B –, o que é muito sensível politicamente: quem escolhe, como se escolhe, e como se garantem os consensos políticos de prazo longo em torno dessas escolhas? Por outro lado, como os beneficiados dessas escolhas são claros e os custos da escolha são difusos, a PI está muito exposta a riscos de captura por interesses especiais e ao desenvolvimento do capitalismo de compadrio, como a história recente de Portugal tantas vezes ilustra.

Não basta desenhar políticas modernas, inteligentes e, pelo menos no papel, transformadoras. É preciso ser capaz de as levar à prática. Só as políticas ajustadas às capacidades administrativa e financeira do estado têm chances de ter sucesso. Um aparelho administrativo como o português, depauperado de recursos humanos de topo, incapaz de atrair os melhores talentos em áreas como a ciência, tecnologia, gestão ou finanças, não será capaz de executar qualquer política transformacional. A débacle que está a ser o PRR, mal concedido e pior executado, deveria servir de alerta. Caberia aos defensores de estratégias industriais ativas, cujo potencial não questiono, explicar como as levariam à prática. Porque de intenções piedosas….

Professor universitário