Se o leão ganha avanço é assobiarem-lhe às botas

Começa hoje em Alvalade um campeonato nacional de futebol sem grandes expectativas.

Confesso que, depois de um mês na Alemanha a ver e a escrever sobre os jogos do recente Campeonato da Europa, a vontade de mergulhar no nosso campeonatozinho caseiro, cheio de tricas e intriguices, de violência gratuita e de guerra imbecis de alecrim e manjerona, é nenhuma. Neste país, o mais selvagem de todas as Áfricas, como escreveu Almada Negreiros, há muito que a prova principal de futebol tem raríssimos motivos de interesse e só provoca alegrias verdadeiras aos adeptos do que ganha. A mediocridade atinge, neste momento, um ponto tão absurdo que só o mero fanatismo me faz compreender porque é que há 40 ou 50 mil pessoas nas bancadas da Luz ou das Antas, já que ao menos em Alvalade habita um leão vencedor e a vitória é sempre inebriante mesmo que não esteja assente numa correspondente qualidade do espetáculo. É óbvio que, apesar de tudo, o Sporting jogou muito melhor do que os seus dois adversários do costume, esses sim, arrastados para um época horrenda, menos a do FC Porto (que terá sido o pior FC Porto dos últimos vinte anos) já que ganhou a Taça de Portugal e aplicou aos seus inimigos (é uma expressão utilizada por eles, não por mim) da Luz uma goleada das antigas: 5-0. Isto, claro, se não resolver facilitar com uma arrogância incompreensível como aconteceu na Supertaça, mesmo que seja um troféu que não interessa a ninguém.

Têm os leões uma tarefa fácil já hoje, pelas 20h15, em Alvalade. A vitória é o mínimo exigível e permitirá ao campeão ganhar balanço logo a abrir, ainda por cima sabendo que pode ser provável ver o Benfica escorregar em Famalicão, no domingo pelas 18h00. E não tenho grandes dúvidas que se o leão ganha balanço, restará à águia assobiar-lhe às botas. Sábado é dia de FC Porto-Gil Vicente (20h30), sem nenhuma dificuldade de maior para os portistas embora, e já explicarei porquê, os considere apenas marginais candidatos ao título. E, se é para explicar, que se explique já aqui, nas linhas que se seguem. Se na época passada o plantel dos dragões era, claramente, o mais fraco dos três ditos Grandes (que vão sendo cada vez mais pequenos numa Europa que os ignora soberbamente), esta ainda está mais fraco, tanto pela saída de elementos com a importância de Pepe ou de Taremi, para darmos apenas estes dois exemplos, como pelo excesso de juventude que costuma pagar-se caro quando é preciso entrar no conflito habitual que define a nossa I Liga. Terá Vítor Bruno, também ele sem grande experiência nestes assados como técnico principal, de ir fazendo milagres semana a semana, estando para saber se ainda continuará a contar com Diogo_Costa e com Francisco_Conceição. Pelos vistos, o Europeu não serviu para atiçar o apetite de nenhum clube com dinheiro para os levar, e se Diogo tem sobre si a dificuldade de ser guarda-redes, e a maior parte das balizas da Europa dos maiores estar preenchida, Conceição não entusiasmará por aí além com o seu futebol curtinho e de fintinhas que só em Portugal se continua a usar.

O drama do Benfica

Comprou o Benfica, ao que parece, um ponta-de-lança que faz golos e só isso muda ligeiramente o paradigma da época passada quando tinha pontas-de-lança que não os faziam. Mas, de resto, nada parece alterar-se na filosofia de uma equipa que andou a arrastar-se deprimentemente no campeonato passado, sujeitando-se a humilhações contínuas. Duas insistências, incompreensivelmente teimosas, parecem, a meu ver, fazer com que tudo vá ficar mais ou menos na mesma: uma em manter o treinador Roger Schmidt, que deixou de ter a confiança dos adeptos, e que ao primeiro resultado negativo, será de novo alvo de protestos com os quais não sabe lidar, entrando em descontrolo; outra em apostar no regresso de Di María, um daqueles jogadores que amua se não jogar os 90 minutos de todos os jogos numa fase da vida em que não pode nem jogar 45 minutos de metade dos jogos. O ano passado entrou pelos olhos dentro que Schmidt não tem autoridade sobre o argentino e que, pelo contrário, faz tudo aquilo que ele quer (e se isso provocar a saída de Neres o tiro no pé será ainda mais doloroso). Di Maria foi um dos grandes desequilibradores da equipa, no sentido negativo, com um número inusitado de perdas de bola e com uma incapacidade total de defender (nem que seja ocupando espaços) que não compensaram nem de perto nem de longe algumas habilidades e os seus 17 golos. Também não houve por parte dos responsáveis vontade de reforçar o centro da defesa onde Otamendi exibe 36 anos (tal como Di María) e António Silva caiu numa estagnação manifesta em erros primários, alguns deles oferecendo de mão beijada golos a adversários. Com Morato a não mostrar evolução apesar de uma utilização continuada, só Tomás Araújo surge como possível titular. Pouco a meu ver porque, neste momento, precisaria de dois e consistentes pois os outros não o são. A saída de João Neves tem sido preparada por Schmidt com a opção por dois trincos (Barreiro e Florentino), mas talvez seja de menos para jogos com tantos pés-de-chinelo que habitam na nossa prova maior. Pode ser que Rollheiser e Prestiani tragam, graças à sua juventude e à sua qualidade, algo de verdadeiramente novo – são jogadores diferentes e cheios de vontade de jogar com aquela camisola (algo que nunca é de somenos). Se não forem eles, a apagada e vil tristeza manter-se-á por mais uma época perdida logo à partida. E os encarnados cairão mais um degrau num declive que têm andado a cavar.