Tim Walz é aposta de Kamala Harris para a candidatura à vice-presidência. A escolha foi anunciada na manhã de terça-feira e acaba por se revelar uma surpresa, sendo que estavam outros nomes mais fortes em cima da mesa. A decisão de avançar com o governador do Estado do Minnesota confirma assim o progressismo do ticket democrata na corrida à Casa Branca deste ano, afastando assim o partido do centrismo que outrora o caracterizava.
Walz serviu no exército americano, sendo parte integrante da Guarda Nacional dos Estados Unidos durante cerca de vinte e cinco anos, retirando-se em 2005 – no pico da guerra no Iraque – para dar início à carreira política. Eleito pelo primeiro distrito do Minnesota, chegou à Câmara dos Representantes em 2006, lugar que ocupou até 2018, quando lançou a candidatura ao posto mais alto do Estado.
É precisamente como governador do Minnesota que o seu nome atinge outra dimensão mediática. Foi sob o seu controlo que, em 2020, o Minnesota foi palco das mais violentas manifestações do movimento Black Lives Matter, na sequência da morte de George Floyd às mãos de um polícia.
A cidade de Minneapolis converteu-se num cenário de guerra, com quarteirões inteiramente queimados, lojas destruídas e assaltadas e duas vítimas mortais. O custo material para a cidade ascendeu às centenas de milhões de dólares.
Perante o caos, Walz demorou dois dias a ordenar a entrada das tropas estatais – algo que lhe valeu, e ainda vale, duras críticas. Minneapolis foi o berço de uma vaga mundial de protestos que recorreram ao uso da violência e a pilhagens, algo que irá inevitavelmente jogar contra os democratas nestas eleições presidenciais.
A viragem à esquerda
A mudança de rumo no Partido Democrata começou a ficar evidente quando, em 2020, Joe Biden escolheu Kamala Harris para vice-presidente. A dupla Harris-Walz só a vem confirmar.
Tim Walz, enquanto governador, assinou propostas de lei que não deixam quaisquer dúvidas quanto à linha ideológica que se propõe a seguir. Desde o NetZero em 2040, passando pela agenda LGBT – que culminou na colocação de produtos menstruais nas casas de banho masculinas nas escolas – e até às iniciativas anti-porte de armas, fica evidente que a tentativa generalizada de considerar Walz um democrata moderado é imprecisa. Também a atribuição de cartas de condução e benefícios na área da saúde a imigrantes ilegais e o despesismo no que às finanças do Estado diz respeito não abonam em nada à sua moderação. A escolha de Tim Walz é também surpreendente por isto mesmo.
Num momento de polarização sem precedentes, Harris, que se tem tentado moderar, chegou a afirmar que «toda a gente devia ser woke». É um virar de costas definitivo ao eleitorado centrista indeciso, que está perante duas opções que fizeram implodir o centro.
O afastamento de Shapiro
Josh Shapiro aparecia como um dos nomes mais fortes para agarrar o lugar de candidato à vice-presidência. Um político experiente, articulado e governador de um Estado decisivo, era visto como um valioso ativo eleitoral que colocava os democratas mais perto de conquistar a Pensilvânia.
Porém, o facto de Shapiro ser judeu e ter condenado as manifestações pro-Hamas – ao mesmo tempo que tentava arranjar consensos em algumas matérias com os republicanos – deixou a sua candidatura a candidato comprometida. São erros capitais que afastam o eleitorado da esquerda radical.
Outro ponto que pode ter pesado na hora da escolha é o facto de Harris correr o risco de ser ofuscada pelo governador, que já demonstrou ter carisma e uma certa profundidade intelectual.
De qualquer forma, o Partido Democrata envia uma mensagem clara de que prefere atrair os eleitores mais à esquerda e para isso a questão da guerra no Médio Oriente é um ponto fundamental. Não há dúvida que a abordagem de Tim Walz é bastante mais apelativa a essa franja eleitoral que a de Josh Shapiro. Resta saber se o ‘tiro’ de Harris é certeiro ou se sai pela culatra.
Ainda assim, no mais recente comício em Filadélfia que estreou a dupla que estará na corrida, Kamala Harris fez referência ao governador da Pensilvânia logo no início da sua intervenção: «Com a ajuda do Josh Shapiro vamos ganhar a Pensilvânia. Obrigado Josh». Foi um prémio de consolação.
O ímpeto de Kamala
O último mês da política americana tem sido intenso e trouxe dinâmicas importantes a um ritmo acelerado.
O candidato republicano, Donald Trump, assumia o favoritismo nas sondagens, ainda que fossem apresentados números equilibrados. Favoritismo este que foi claramente reforçado após o debate com Joe Biden, que expôs de forma definitiva, para quem ainda tivesse dúvidas, a incapacidade cognitiva do Presidente incumbente. E se o favoritismo de Trump foi reforçado no frente-a-frente, a tentativa de assassinato no dia 13 de julho parecia colocá-lo com um pé e meio na Sala Oval. Também a escolha de J.D. Vance para candidato à vice-presidência ampliou a base eleitoral dos republicanos.
Dada a conjuntura altamente desfavorável, os democratas tentaram o tudo por tudo para salvar a eleição e forçaram a saída de Biden, mesmo depois de tentarem encobrir o seu estado de saúde. A união em torno de Kamala Harris foi imediata.
Uma jogada questionável do ponto de vista democrático, já que a atual vice-presidente não passou pelo processo, normalmente desgastante, da primárias. Mas, de qualquer modo, a estratégia parece estar a dar resultado. Kamala Harris ganhou ímpeto e já supera Trump no Wisconsin, no Michigan e na Pensilvânia.
O plano do Partido Democrata parece passar também por expor a nova candidata o menos possível, não tendo comparecido ainda a entrevistas e evitando regularmente as perguntas dos repórteres desde que garantiu a nomeação. Qualquer passo em falso pode ditar o fim das aspirações de Harris.
Este ímpeto, impulsionado também pela cobertura mediática, pode dever-se também à dificuldade dos republicanos em reajustar a retórica, que estava já preparada para enfrentar Joe Biden. Ainda assim, Trump e Vance têm deixado duras críticas aos candidatos democratas, com este último a aparecer em frente ao Air Force 2 (avião que transporta o vice-presidente dos EUA) e a criticar Kamala por evitar responder às perguntas dos jornalistas que a esperavam no aeroporto em Wisconsin. Num tom mais descontraído, Vance afirmou que foi ver o seu futuro avião.
A luta pela Casa Branca está acesa e será uma eleição certamente disputada até ao fim, com os cidadãos americanos a tomarem uma decisão que impactará não só o futuro do seu país, mas também o do resto do mundo.