A igualdade é desejável?

Como os seres humanos são desiguais, têm características e capacidades diferentes, só é possível impor a igualdade através de mecanismos repressivos, que cortem as cabeças dos que se destacam.

Quando eu era adolescente, o meu irmão mais velho citava muitas vezes a máxima comunista «A cada um segundo o seu trabalho». Eu achava que ali havia uma injustiça. Se nem todos tinham a mesma capacidade de trabalho, a aplicação dessa regra levaria à existência de muitas desigualdades. Até que descobri que a etapa final do comunismo postulava: «A cada um segundo as suas necessidades».

Esse, sim, seria o princípio justo: cada um teria o que efetivamente precisava para viver.

Hoje, a ideia de igualdade continua muito presente no discurso político.

Quem não é a favor da igualdade? Quem pode defender as desigualdades sociais? Só um indivíduo retorcido ou mal formado.

Porém, se pensarmos um bocadinho, verificamos que foi em nome da igualdade que se cometeram na História algumas das maiores atrocidades.

A revolução russa produziu vítimas em massa, num extermínio como a Humanidade raras vezes assistiu. E indo um século atrás, a revolução francesa, sob a bandeira da ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, proporcionou as maiores atrocidades e criou um monstro – Napoleão – que submeteu durante anos grande parte da Europa a um regime de terror.

Em Portugal, a primeira coisa que o Exército napoleónico fez depois de chegar a Lisboa foi decapitar a nobreza sobrante (pois parte dela já tinha fugido com o regente para o Brasil).

E porquê?

Porque os nobres representavam, apesar de tudo, um desafio ao poder do invasor.

Se ninguém se destacasse, se fossem todos ‘iguais’, ninguém os desafiaria.

É esta a principal razão pela qual os déspotas defendem a igualdade.

A grande defesa contra o despotismo é a descentralização do poder.               

Nos EUA há liberdade exatamente porque o poder está muito disseminado, há grandes empresas, grandes grupos económicos e financeiros em competição, lobbies, fundações poderosíssimas, que têm o seu poder próprio e condicionam o poder do Estado.

O Estado não pode fazer tudo o que quer.

Na Rússia, pelo contrário, nada disso existe – e por isso é uma autocracia.

Depois da queda do comunismo surgiram vários oligarcas – mas têm sido metodicamente assassinados, porque desafiavam o poder de Putin.

O caso mais espetacular da criação de um poder próprio foi protagonizado pelo fundador do grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que se sabe como acabou.

Nos países que defendem a ‘igualdade’ tem de haver um poder despótico porque, se houver liberdade, se os cidadãos puderem agir livremente e sem constrangimentos, as desigualdades aparecem.

Como as pessoas não são todas iguais – umas são mais trabalhadoras, outras mais inteligentes, outras mais organizadas –, as diferenças vêm ao de cima.

E para conservar a igualdade, para manter todos ‘iguais’, é necessário um Estado ditatorial que empurre os melhores para baixo, impedindo-os de se destacarem.

Há um caso curioso sobre as vantagens da descentralização e da economia privada.

No tempo do salazarismo, sendo uma ditadura, não havia uma concentração total do poder no Estado – e isso permitia apesar de tudo uma certa liberdade.

O grupo CUF, p. ex., tinha um grande poder, representando um porto de abrigo para alguns dissidentes do regime: lembro-me de pessoas que foram despedidas do Estado por razões políticas e que encontraram emprego na CUF.

E com a Gulbenkian acontecia um pouco o mesmo: pessoas perseguidas ou mal vistas pelo regime encontraram na Gulbenkian um ponto de apoio.

Se nessa época só houvesse um patrão único, como na URSS, essas pessoas ficariam sem emprego e na miséria.

Concluindo, a igualdade, sendo uma ideia muito bonita em teoria, que ninguém ousa contestar, é profundamente indesejável. Por um lado, impede que as pessoas mais trabalhadoras, mais ativas, mais estudiosas sejam premiadas – e isso conduz à desmotivação e à estagnação (que foi uma das causas do declínio do comunismo). 

Por outro lado, como os seres humanos são desiguais, só é possível impor a igualdade através de regimes autoritários ou mesmo totalitários, com mecanismos repressivos capazes de cortar as cabeças dos que se destacam.

Assim, quando ouço falar em ‘igualdade’, desconfio.

Ou são pessoas ingénuas – ou grupos que, sibilinamente, defendem ditaduras. 

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt