Os salários são importantes, mas há mais peças no puzzle!

Por cada dez dólares adicionais no salário anual dos professores, o desempenho em matemática aumenta 6 milésimas na escala do PISA. Este incremento pode parecer pequeno, mas uma diferença de cinco milésimos de segundo fez de Noah Myles o homem mais rápido do mundo.

Os  salários dos professores são, sem dúvida, um fator importante na equação do sucesso educativo. No entanto, é crucial reconhecer que não são o único elemento a influenciar os resultados escolares. Recentemente, a OCDE publicou dados que revelam uma associação moderada (r=0,42) entre os salários dos professores e o desempenho dos alunos em matemática, conforme medido pelo PISA 2022. Um gráfico de dispersão elaborado com esses dados mostra que apenas 18% da variação nas classificações do PISA entre países são explicadas pelo salário anual dos professores.

Por cada dez dólares adicionais no salário anual dos professores, o desempenho em matemática aumenta 6 milésimas na escala do PISA. Este incremento pode parecer pequeno, mas uma diferença de cinco milésimos de segundo fez de Noah Myles o homem mais rápido do mundo.

Embora países com salários mais altos obtenham, em geral, melhores resultados, esta associação deixa por explicar mais de 80% da variação dos desempenhos dos alunos no PISA. A Estónia é o país da OCDE com os melhores desempenhos nas últimas edições do PISA, ao nível dos países do sudeste asiático que lideram os rankings, mas o salário anual dos seus professores é dos mais baixos. Por outro lado, os professores na Alemanha ganham mais do dobro dos estónios, mas os alunos alemães apresentam um desempenho inferior ao dos seus colegas da Estónia. Para além da remuneração, há claramente outras componentes dos sistemas educativos que têm um impacto significativo no puzzle do sucesso académico!

Uma das peças cruciais deste puzzle é a qualidade do currículo. Um currículo sólido, que se baseie em conhecimento profundo, e menos em competências superficiais, é fundamental para uma educação de qualidade. Este tipo de currículo permite que os alunos desenvolvam uma compreensão robusta das matérias, o que, por sua vez, melhora as suas competências académicas. A relação é simples: quanto mais sólido e sistemático for o conhecimento básico dos alunos, mais eficaz será o desenvolvimento das suas competências. Sem uma base sólida de conhecimento, não é possível desenvolver as competências necessárias à cidadania no século XXI. Em Portugal, durante a história do PISA, houve claramente duas visões curriculares diferentes. Entre 2000 e 2015, os currículos baseados em conhecimento foram continuamente reforçados com metas e objetivos claros e definidos. Entre 2016 e 2024, os currículos passaram a dar maior ênfase às competências e ao ensino centrado no aluno. De 2000 a 2015, Portugal apresentou uma melhoria contínua nos resultados PISA; entre 2016 e 2022 houve um claro retrocesso no desempenho dos alunos, agravado, sem dúvida, pelos efeitos da pandemia da COVID-19. Este impacto do tipo de currículo sobre o desempenho dos alunos, como avaliado pelo PISA, é visível também na Escócia e na Inglaterra. Os resultados no PISA mostram uma divergência clara, com a Escócia a enfrentar um aumento da desigualdade social, especialmente em leitura e matemática, apesar dos esforços políticos para a reduzir. Introduzido em 2010, o currículo escocês foca-se na preparação dos alunos para a vida e nas suas atitudes em relação à aprendizagem, mas tem sido criticado por negligenciar o conhecimento sistemático. Em contraste, o currículo inglês, mais orientado para a transmissão deste tipo de conhecimento, embora criticado por ser rígido, está melhor alinhado com as competências medidas pelo PISA. Isto parece ter ajudado a mitigar a desigualdade educacional na Inglaterra, aumentando a diferença educativa entre as duas nações do Reino Unido.

Outra peça crucial do puzzle é a prestação de contas. A prestação de contas com validade, fiabilidade e comparabilidade no final dos ciclos escolares é indispensável para garantir que todos os envolvidos no processo educativo — alunos, famílias, professores e escolas — estejam comprometidos com a melhoria contínua dos processos de ensino e aprendizagem. Estas “contas” não fornecem apenas números ou rankings sobre o conhecimento e as competências dos alunos; ajudam também a identificar áreas do currículo e competências que requerem maior intervenção. Com base nos resultados destas avaliações, é possível implementar práticas baseadas em evidências, e não em ideologias, que promovam ambientes de ensino e aprendizagem mais eficientes, inclusivos e equitativos. A prestação de contas não é apenas uma ferramenta para medir o sucesso, é também um mecanismo para orientar e melhorar as práticas educativas. Os países que, durante a pandemia, mantiveram os seus sistemas de exames em funcionamento tiveram consistentemente melhores resultados no PISA 2022 (uma diferença mediana em torno de 50 pontos, equivalente a dois anos escolares) do que os países que não têm exames ou que, como Portugal, cancelaram esse mecanismo de prestação de contas.

Além da qualidade do currículo e da prestação de contas, a valorização social da educação e dos educadores é outra peça fulcral na evolução dos sistemas educativos. A forma como a sociedade e as comunidades locais valorizam e respeitam o trabalho dos professores dentro e fora da sala de aula influencia diretamente a sua motivação e desempenho. Quando os educadores se sentem valorizados — não apenas financeiramente, mas também socialmente — estão mais motivados para investir no seu trabalho. Esta motivação traduz-se numa maior dedicação e, consequentemente, numa melhoria na qualidade do ensino e da aprendizagem. A Finlândia e a Irlanda são bons exemplos de países onde a profissão de professor é uma das mais valorizadas socialmente. Por exemplo, na Universidade de Helsínquia, é tão difícil entrar em cursos de formação de professores quanto em medicina. Nestes dois países, apesar de os salários anuais dos professores estarem na média da OCDE, os desempenhos dos alunos estão no topo da Europa. Promover o reconhecimento social e a valorização profissional dos professores é outra peça essencial do puzzle do sucesso educativo.

Os salários dos professores são apenas uma parte do puzzle do sucesso educativo. Embora existam evidências de que a remuneração está associada ao desempenho dos alunos, essa relação explica apenas uma pequena fração das diferenças nos resultados. Países como a Estónia e a Finlândia demonstram que o verdadeiro progresso depende de uma abordagem mais ampla. A qualidade do currículo, uma prestação de contas rigorosa, e a valorização social e comunitária dos educadores são componentes essenciais que, quando integradas, impulsionam os sistemas educativos para patamares superiores. O futuro da educação depende de um compromisso com todas essas dimensões, porque o sucesso duradouro só será alcançado quando todas as peças do puzzle estiverem no seu devido lugar.