Seis pessoas, entre assessores e coordenadores, foram dispensados da Provedoria de Justiça tendo como fundamento a idade. Todos eles têm mais de 55 anos e trabalham na Provedoria há mais de 25 anos. Segundo a justificação enviada ao Nascer do SOL pelo o Provedor-Adjunto de Justiça, Ravi Afonso Pereira, «trata-se, efetivamente, de executar a renovação geracional cuja necessidade foi há muito anunciada e referida na sede própria».
Maria Lúcia Amaral tem 67 anos e é provedora de Justiça desde 2017. Em 2021, foi nomeada para o segundo mandato, que termina em 2025.
Os seis trabalhadores dispensados este mês (apenas um foi exonerado em Abril de 2023) , tinham sido reconduzidos em 2022.
O Relatórios Atividades de 2020, apresentado à Assembleia da República em Junho de 2021, já apontava para o início de um processo de renovação de pessoal que acabou adiado até este mês. O processo, segundo fontes próximas da provedora,«pode não estar concluído e podem sair ainda mais pessoas nos próximos tempos».
Estruturas ‘envelhecidas’
No relatório publicado em junho 2021, a provedora referia que tinha encontrado estruturas «obsoletas» e «estruturas pessoais entretanto envelhecidas», sendo necessária «uma renovação geracional e funcional». Lê-se no Relatório que tal não foi feito na data prevista devido à pandemia, mas a provedora assumia o compromisso de o concretizar mais tarde.
No entanto, em 2022 renovou as comissões de serviço dos assessores e coordenadores, tendo mesmo nomeado um deles em 2023 como coordenador de uma das unidades da Provedoria. Muitos destes colaboradores exercem o seu cargo há mais de 25 anos, estando um deles a desempenhar funções na Provedoria desde 1993.
«A Provedoria, constituída pelos serviços do provedor, repousa em estruturas orgânicas obsoletas, tornadas rígidas por um decreto-lei de 1993; e em estruturas pessoais entretanto envelhecidas, que precisam de renovação funcional e geracional», lê-se no relatório de há 4 anos, não tendo sido feita mais nenhuma referência a este tema nos relatórios seguintes. «Dei-me conta da necessidade de ultrapassar todos estes fatores de imobilismo a meio do meu mandato. Nessa altura, dois caminhos de solução se me apresentavam: ou ia realizando gradual e informalmente a agenda de renovação das estruturas pessoais, mas sem nenhuma alteração prévia das estruturas orgânicas, ou enveredava antes pela reforma destas últimas para depois levar a cabo a renovação geracional e funcional». A provedora acabou por optar pela segunda alternativa: reformar a estrutura e depois executar a «renovação geracional». Mas confessa que o fez tarde: «Tinha finalizado o projeto de renovação das estruturas orgânicas quando irrompeu a pandemia. Nas circunstâncias difíceis que a partir de então se viveram – e com todos ou quase todos os colaboradores a prestar serviço em regime de teletrabalho – tornou-se praticamente impossível executá-lo. Assim comprometida ficou a reforma global da instituição, a qual, no entanto, continuo a considerar tarefa indispensável à garantia do seu futuro».
Em resposta ao Nascer do SOL, o provedor-adjunto esclarece que, segundo o estatuto funcional dos assessores, estes são nomeados em comissão de serviço e cessam funções por despacho de exoneração do provedor de Justiça, «livre e a todo o tempo», conforme a lei. «Nessa eventualidade, a referida Lei Orgânica prevê o direito a receber uma compensação pela cessação de funções». Quanto aos casos concretos: «Trata-se, efetivamente, de executar a renovação geracional cuja necessidade foi há muito anunciada e referida na sede própria».
Recomendação em causa alheia
Em novembro de 2021, a provedora de Justiça fez enviou um recomendação à ministra da Administração do Estado e da Administração Pública sobre «Regras em matéria de acesso ao emprego no setor público. Fixação de limites etários máximos. Proibição da discriminação em razão da idade». Pedia a provedora que se «promova uma reflexão interministerial, e consequente reavaliação das soluções legais em vigor, em matéria de proibição da discriminação em função da idade no acesso ao emprego público».
A provedora de Justiça não questionava «a legitimidade do estabelecimento de algum limite máximo de idade para recrutamento, em atenção, por exemplo, à necessidade de garantia da operacionalidade dos serviços». No entanto, «atendendo a que o fator idade pode constituir uma restrição ilegítima de discriminação, é fundamental que haja uma contínua interrogação sobre a adequação e necessidade dos limites estabelecidos, à luz das exigências da salvaguarda da dignidade pessoal e do direito à igualdade de tratamento».
Mais adiante, Maria Lúcia Amaral sublinha que «a idade é um fator de discriminação proibido, conforme decorre da Constituição, das normas internacionais de direitos humanos e do direito da União Europeia. Embora sejam admissíveis diferenças de tratamento com base na idade, estas têm de ser proporcionais e justificadas por um objetivo legítimo». As exceções, segundo a provedora, são limitadas: «Nem toda a diferenciação assente no fator idade é incompatível com o direito à igualdade de tratamento, se em seu socorro acudir razão legitimamente fundada». Ou seja, «o recurso ao fator idade é legítimo, ainda que tal apenas deva ocorrer em circunstâncias limitadas». E, citando a Diretiva 2000/78/CE, escreve que «as diferenças de tratamento com base na idade são consentidas se ‘forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários’».
Idadismo: discriminaçãem função da idade
Um estudo publicado esta semana pela Fundação Francisco Manuel do Santos revelou que 28,6% dos trabalhadores de meia-idade e 25,6% dos trabalhadores mais velhos relataram níveis moderados ou elevados de discriminação em função da idade – sendo esta uma discriminação bidirecional entre os mais novos e os mais velhos com consequências graves no funcionamento do mercado de trabalho.