Habitação. Isenção de impostos pode ser ‘anulada’ por aumento de preços

Apoiar os jovens na compra da primeira habitação é positivo mas não suficiente. É que os salários continuam a não acompanhar o aumento dos preços das casas e, para quem não tem nenhuma, é mais difícil lá chegar. Mesmo já não sendo tão jovem.

O Governo está a ajudar os jovens na compra de primeira habitação mas nem tudo é um mar de rosas. Os preços das casas continuam a subir, os salários não acompanham este aumento e ainda que muitos problemas possam vir a ser resolvidos, outros mantêm-se.

No entanto, os jovens não se queixam muito dos apoios do Governo. «O valor que consegui poupar em IMT e imposto de selo não é, claro, uma lufada de ar fresco para o futuro. Mas já dá para conseguirmos fazer uma cozinha nova, por exemplo», diz ao Nascer do SOL Filipa Soares que comprou recentemente um apartamento T2. «Não precisei da medida de financiamento a 100% porque ainda que considere uma ajuda para quem não tem qualquer capital inicial, não é uma ajuda futura», diz ainda, confessando também ter a sorte que tanto o antigo proprietário como a imobiliária esperasse para que pudesse fazer a escritura depois do dia 1 de agosto, altura em que entraram em vigor os apoios do Governo: isenção de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), imposto de selo e financiamento a 100%.

Quem considera bons estes apoios mas não suficientes é o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP). «Acho que são uma ajuda mas acho que devem fazer parte de uma estratégia mais alargada, onde haja espaço a medidas que tenham por objetivo aumentar a oferta de casas», diz Paulo Caiado ao Nascer do SOL, ainda que admita que, no imediato, estas ajudas do Executivo representem «uma alavanca imprescindível». «São ajudas que serão seguramente importantes para todos aqueles que delas possam beneficiar mas se não fizerem parte de uma estratégia que tenha por fim aumentar a oferta, corre-se o risco de terem o efeito perverso». E que efeito seria esse? «Gerar uma maior pressão na procura, perante a escassez já tão identificada que existe de casas», avisa Paulo Caiado.

Questionado sobre se estas medidas podem estimular a aquisição de casas, André Casaca, consultor e promotor imobiliário, diz ao nosso jornal que «a questão essencial é se as medidas do Governo vão realmente melhorar a acessibilidade à habitação para os jovens», lembrando que em Portugal, «temos um foco desproporcional na ‘acessibilidade à compra de casas’, o que resultou na falta de desenvolvimento de um mercado de arrendamento sólido, que permita comparações fundamentadas entre as duas opções». O especialista defende que, atualmente, a compra de casa parece ser preferida devido a dois fatores principais: «O preço, que teoricamente torna a compra mais barata do que o arrendamento, e a escassez de opções de arrendamento. Embora a posse de casa seja profundamente enraizada na cultura portuguesa, com cerca de 70% das pessoas a serem proprietárias da casa onde vivem, há um excesso de incentivos à compra e muito poucos ao arrendamento».

Para equilibrar o mercado, André Casaca defende ser «fundamental aumentar a oferta de habitação no mercado de arrendamento, desenvolvendo projetos arquitetónicos específicos para esta finalidade, diferentes dos destinados à compra e venda».

Baixos salários, aumento de preços

Vários estudos, como um da Fundação Francisco Manuel dos Santos, são claros: o aumento dos preços das casas não está, de todo, a ser acompanhado pela subida dos salários e essa tendência tem dificultado o acesso à habitação, sobretudo em Lisboa e no Porto. Paulo Caiado confessa que acontece mas não para todas as pessoas. E justifica. «Acho que há muitos anos que os preços das casas não têm relação direta com os vencimentos das pessoas. Acho que isso já acontece há muito tempo e acho que essa tendência tende a acentuar-se», justificando que cerca de 90% dos imóveis que se transacionam em Portugal num ano, são casas usadas. «Ou seja, alguém vende para a seguir enfrentar uma nova aquisição. E a realidade é que quando alguém comprou uma casa há 20 anos ou há 10 ou há 5 e hoje a vende, essa casa teve uma valorização enorme. Essa família, essa pessoa, vai ter uma dotação financeira muito maior para enfrentar uma nova aquisição». E atira: «Isto não tem nada a ver com os salários, tem a ver com a valorização das casas».

E ainda que defenda que não estamos «nem perto» da possibilidade de uma bolha imobiliária, Paulo Caiado admite que há uma crise. Mas que não é para todos: «Há uma crise imobiliária para quem não tem casa», isto porque quem não tem casa nenhuma, aliado aos baixos rendimentos e a uma subida de preços, «claro que gera uma crise enorme para quem não tem casa nenhuma». Por isso, reconhece que «aquilo que é fundamental é que o nosso Estado assuma que existe um terceiro segmento no mercado que tem que ser desenvolvido. O mercado tem de ter um segmento social: habitação pública que deve ser implementada e que deve ser a prioridade, que é acudir aos mais desfavorecidos». Mas não é só. Paulo Caiado diz existir um novo segmento de mercado que tem de ser desenvolvido que é o mercado de preços condicionados. «O Estado tem de ser capaz de desenvolver, de criar soluções habitacionais, cujos preços estão controlados. A todos aqueles que não conseguem acompanhar esta subida de preços e que está completamente desfasada dos salários das pessoas. E obviamente o Estado tem várias formas de o fazer: tem terrenos, tem a estrutura fiscal sobre a construção, tem outros recursos que podem ser colocados, exigindo como contrapartida preços controlados, criando novo segmento de mercado de habitação com preços controlados. Evitando que comecemos a ter um segmento de promoção imobiliária que edifica com o objetivo de arrendar. E que sejam criadas condições, assim sejam dadas perspetivas de confiança aos investidores e promotores e certamente não faltará gente interessada», finaliza.

Já André Casaca considera que esta tendência «provavelmente não se alterará no curto prazo», lembrando que nas principais áreas urbanas, «onde a maioria das pessoas prefere viver devido ao acesso a serviços e empregos, o arrendamento de um quarto representa, em média, mais de 35% do rendimento mensal líquido de um jovem». Assim, quando se analisa o valor de venda das casas, «à luz das taxas de juro atuais e do rendimento líquido necessário para obter financiamento, concluímos que, ‘em média’, os jovens apenas conseguem comprar ‘metade de uma casa’», alerta o especialista, que não tem dúvidas: «Se a oferta de habitação não for ajustada às novas necessidades demográficas e a procura for impulsionada por medidas governamentais de apoio à compra da primeira casa, os ‘descontos oferecidos através da isenção de impostos’ poderão ser anulados pelo aumento dos preços dentro do intervalo estabelecido pelo Governo».