Reza o site oficial do Provedor de Justiça, sob a epígrafe «A Provedora»: «Maria Lúcia Amaral nasceu em Angola a 10 de junho de 1957. É jurista, professora catedrática da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e foi membro do Tribunal Constitucional durante nove anos, entre abril de 2007 e julho de 2016. Dedicou a sua vida académica ao estudo e ao ensino do Direito Público, e, em especial, ao estudo e ao ensino do Direito Constitucional. É autora de diversos estudos neste específico domínio do saber, fazendo parte de associações científicas internacionais que a ele se dedicam, sendo ainda, desde 2022, sócia correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. No dia 2 de dezembro de 2021, tomou posse no Parlamento como Provedora de Justiça para um segundo mandato. Fora pela primeira vez eleita Provedora de Justiça pela Assembleia da República a 20 de outubro de 2017, tendo tomado posse do cargo a 2 de novembro do mesmo ano».
Uma bonita súmula, indiscutivelmente, de uma personalidade de reconhecido mérito.
Com 67 anos completados em junho último, Maria Lúcia Amaral já ultrapassou a idade da reforma mas ainda tem mais um ano deste seu segundo mandato como provedora de Justiça, que só termina em dezembro de 2025.
Com todo o seu vasto e, aliás, magnífico currículo, é uma pena que esta conselheira de Estado que foi vice-presidente do Tribunal Constitucional, dentro de um ano, ‘arrume’ os seus sapatos ainda de saltos altos para passar a ter o pomposo estatuto de jubilada ou para voltar à Universidade por mais dois anos, até atingir a idade da reforma compulsiva (os tão malfadados 70 anos).
Maria Lúcia Amaral, pelas ligações políticas e até amizades pessoais, pela carreira, mas sobretudo pelo conhecimento e saber não deverá conformar-se com a passagem à inatividade, independentemente de vir a beneficiar de uma merecida – para ela descontou – e milionária pensão.
Não é nada fácil para quem tantos anos dedicou à causa pública dar o lugar aos mais novos.
Até porque parar é morrer. E ser obrigado a parar é como receber uma sentença de morte.
Não é à toa que a Organização Mundial (OMS) da Saúde consagrou os anos 2021-2030 como a Década do Envelhecimento Saudável.
Segundo um relatório publicado pela OMS em 2020, a nível global, uma em cada duas pessoas tem atitudes discriminatórias em relação aos mais velhos e um em cada três europeus diz já ter sofrido de discriminação com base na sua idade.
O tema do idadismo está na ordem do dia na Aldeia Global em que vivemos e, sobretudo, neste retangulozinho na ponta ocidental da Europa que nada o separa de África e tem um imenso Atlântico a distanciá-lo da América.
Ainda por cima com a enorme desvantagem em relação à maioria dos outros países africanos de estar a caminhar velozmente para ser um dos mais envelhecidos do planeta.
Um estudo publicado no início deste mês de agosto pela Fundação Francisco Manuel do Santos revelou que 28,6% dos trabalhadores de meia-idade e 25,6% dos trabalhadores mais velhos relataram níveis moderados ou elevados de discriminação em função da idade – sendo esta uma discriminação bidirecional entre os mais novos e os mais velhos com consequências graves no funcionamento do mercado de trabalho.
O combate ao idadismo e o pacto intergeracional são, pois, mais do que uma urgência.
Como bem fundamentou a provedora em novembro de 2021 numa recomendação à então ministra com a tutela da Administração Pública (sobre «Regras em matéria de acesso ao emprego no setor público. Fixação de limites etários máximos. Proibição da discriminação em razão da idade»), é urgente que se «promova uma reflexão interministerial, e consequente reavaliação das soluções legais em vigor, em matéria de proibição da discriminação em função da idade no acesso ao emprego público». Na sua recomendação, Maria Lúcia Amaral não questionava «a legitimidade do estabelecimento de algum limite máximo de idade para recrutamento, em atenção, por exemplo, à necessidade de garantia da operacionalidade dos serviços», mas alertava para o facto de que, «atendendo a que o fator idade pode constituir uma restrição ilegítima de discriminação, é fundamental que haja uma contínua interrogação sobre a adequação e necessidade dos limites estabelecidos, à luz das exigências da salvaguarda da dignidade pessoal e do direito à igualdade de tratamento». Mais acrescentava que «a idade é um fator de discriminação proibido, conforme decorre da Constituição, das normas internacionais de direitos humanos e do direito da União Europeia». E, citando a Diretiva 2000/78/CE, escrevia que «as diferenças de tratamento com base na idade são consentidas se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários».
Ou seja, quando dá jeito.
A um ano do final do seu segundo mandato como provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral começou finalmente a executar o ‘plano de renovação’ da Provedoria que já tinha traçado em 2020. E começou a mandar embora os trabalhadores com mais de 55 anos, alguns dos quais com mais de 30 de casa.
Vindo de quem vem, está, com toda a certeza, dentro das exceções previstas na Diretiva europeia citada.
Mas, raios, estando há quase oito anos na Provedoria só agora, a meses de passar o testemunho, é que se lembrou do ‘plano de renovação’ da Provedoria?
E o critério é o da idade?
Não seria melhor deixar a tarefa, e os critérios, para o próximo titular do cargo?
Maria Lúcia Amaral foi eleita provedora aos 60 anos, três meses e 10 dias.
E quando sair da Provedoria terá 68 anos e meio e ainda muito para dar à sociedade, se não for vítima do idadismo que condena mas pratica.