Um par de anos após o 25/Abril fui num Mini com quatro jovens colegas professores em busca das pinturas rupestres da gruta do Escoural, algures perto de Montemor. A atração curiosa vinha da descoberta recente de algo com vinte mil anos! Em desorientação geral o Mini estancou numa estrada de terra batida e, um de nós cinco, de dentro do carro chamou um pastor que sob a caloraça da tarde de Junho no seu pelico de carneiro, se abeirou devagar, alentejanamente: «Ó amigo, sabe o caminho para as grutas do Escoural?». «Sei sim senhor!», respondeu, e virou costas. Matreiro e de soslaio, ouviu: «E então não nos diz?». «Os senhores não mo perguntaram!». E lá explicou tudo com acerto.
Quem não faz perguntas certas arrisca-se a respostas dúbias, e por acréscimo, o que nasce torto talvez nunca se endireite. O 25/Abril entortou à nascença nos famigerados 3 D’s, 3 verbos torcidos: o Descolonizar entregou o ultramar português à esfera soviética; o Democratizar quis uma revolução leninista que o 25/Novembro desentortou com mossa congénita, ou seja, em rigor sem a sã dialética entre governos alternativos de direita e esquerda. Só esta em 50 anos, no essencial, governou. Esmiuçando, a governação não saiu dos limites da social democracia, por natureza de esquerda e, moral e culturalmente, a direita seguiu atónita e grata os indiscutidos ditames vigentes do presente wokismo anglo-saxónico esquerdista, após a derrota teórica do marxismo e a tragédia prática do comunismo. A esquerda urbana de hoje acha o povo trabalhador algo boçal, a de sempre também, interessa-se antes pelos novos segmentos ditos oprimidos em estúpida glorificação de sucessivos ‘orgulhos’: o feminino, o negro, o homossexual, o vegan, os do clima aquecido e outros adventícios; quanto ao islâmico cala-se ou desorienta-se (?) e sem fazer as perguntas certas só tem respostas dúbias.
O terceiro D do 25/Abril seria o Desenvolver. Sem perguntas certas e sérias a meta ficou-se pelo artigo 2.º da Constituição/1976, ainda em vigor (!): «A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular (…) que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante (…) o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras». Notável! Entalados pelo Pacto com o MFA os partidos aceitaram tudo, os supostos vagamente à direita (PPD) falavam como esquerda, os que se fantasiavam de direita o centro bastava-lhes. Ainda assim CDS teve o mérito de desaprovar a Constituição.
O país com débil dinâmica de alternância nunca realmente se desenvolveu, tirando a evolução tecnológica inerente aos tempos. Desenvolver – a língua ajuda – é naturalmente deixar de estar envolvido pelo que não convém, despir-se ou desembrulhar-se, extraindo de dentro de si aquilo que brotando realiza a sua essência. A semente de trigo só se desenvolve na espiga, um caroço de laranjeira não dá melões, de uma vaca não nasce cavalo. Ou seja, ‘os homens sem sono’ do 25/Abril deitaram-se a dormir sem pensarem Portugal a partir da essência do que sempre fomos, desistiram de ser portugueses, embrulhados em ideologias coisificadas em suposto futuro europeísta fácil. Dormiram tanto que ainda parecem ressonar em grutas rupestres, quais trogloditas, negando propositadamente a História de Portugal, sobretudo a semente essencial da nação independente, os Descobrimentos. Tudo reduzem a ganância colonialista, mentem com dolo, exilam a palavra pátria, ensinam com erro os jovens em educação desastrosa, vendem a soberania, fazem do país uma extensa praia com hostel turístico massificado. Ficámos apenas com o serviço de mesa, daí, talvez, a visível melhoria vinícola! Vá lá, dos pesados impostos fez-se na saúde o SNS, e há, até ver, reformas e pensões.
Neste falso Desenvolver o projeto-Mar afundou, subsidiamos os piores, exportamos os melhores, o déficit moral chega a ofender em corrupção incessante. Faltam perguntas, contas a pedir, caminhos a pensar. Quem sabe se um dia voltarei ao Escoural em busca do velho pastor que me ensinou a fazer perguntas. Já terá morrido, Portugal espero que não.