A euforia…

A nossa vida espiritual traz-nos o desejo de uma paz sem fim, uma enorme coroa de repouso, um Shabbat, sem fim…

São Paulo, numa das suas cartas, refere-se ao homem a partir de três dimensões: espírito (pneuma), alma (psique) e corpo (soma). Esta divisão da pessoa humana pode ser compreendida a partir da medicina contemporânea. Desta forma percebemos os nomes dos especialistas… os psicólogos que tratam da alma e os médicos que tratam do corpo! Há muitos problemas que são psicossomáticos (psique e soma), eles existem na alma e manifestam-se na carne.

E pneuma? Pneuma é o ‘ar’ que nos habita! Temos os pneus dos carros. Dentro dos pneus o que existe? Ar. Se formos ver no capítulo dois do livro do Génesis, vemos que Deus, ao fazer o homem e a mulher, insufla o sopro de vida nas narinas de Adão. O espírito é, pois, dado por Deus ao homem, como que um sopro que anima a sua alma e o seu corpo. Sem ele, morremos… 

Por isso o salmo diz: «Vai-se-lhe o espírito e volta ao pó da terra. Os desejos dos ímpios saem frustrados». Se temos um problema no ar que nos habita – o espírito – então temos aqueles que cuidam do espírito, isto é, da sua vida espiritual. Deus aparece, assim, como Aquele que toca o homem no sopro de vida…

Nos últimos tempos tenho pensado nas palavras de São Paulo na carta aos Gálatas: «A carne tem desejos contrários aos desejos do Espírito». É incrível como a perceção e a sabedoria da Sagrada Escritura vão realçando os acontecimentos da vida contemporânea do homem. 

De facto, a nossa vida espiritual traz-nos o desejo de uma paz sem fim, uma enorme coroa de repouso, um Shabbat, sem fim. Aliás, é assim que os cristãos terminam a sua vida: Dai-lhes Senhor o eterno descanso… que sua alma descanse em paz. É isso que deseja a alma de cada homem e de cada mulher: a paz, o descanso!

A carne, porém, deseja a euforia. É um buraco sem fundo que nunca se satisfaz. A carne nunca está satisfeita… quer sempre mais e mais e mais… 

Enquanto o espírito se deleita no repouso, a carne procura a euforia!

Estou no Algarve, com um tempo maravilhoso, umas noites incríveis e umas praias inacreditáveis. Vivo no centro de Lisboa, onde impera a confusão e o barulho! Às vezes é insuportável! O movimento, por exemplo, do Bairro Alto, ‘Aqui mora gente’, mostra perfeitamente o que é a confusão… 

A confusão, a bebida, o convívio, o barulho, tornam-nos incapazes de descansar. 

Pensava eu naquelas praias paradisíacas de quando era criança, mas o que encontro é o contrário. Estava eu sentado, debaixo do chapéu de sol, e começo a ouvir uns batuques… eu nem queria acreditar. Era de um bar à beira-mar que chamava a euforia da carne com uma música altíssima. Depois, em frente, vinham uma espécie de cavalos-marinhos – as motas de água – que fazem um som de fundo que mata a cabeça. Como se não bastasse, passa um barco cheio de gente, com uns tambores… até parecia o som das tribos…

É uma euforia nem não tem descrição… os que querem silêncio, paz e descanso encontram-se diante de uma realidade contrária a tudo isso… 

Será que estamos tão inebriados pela euforia que já nem sabemos como é a paz e o descanso? Será que nos esquecemos do que é a beleza e o silêncio? 

Acredito que, dentro em breve, teremos muito trabalho a ensinar as almas a encontrar a paz… e isso, de certeza, será uma missão da vida espiritual – a Igreja.