«Os chimpanzés, os cães, os porcos e os membros adultos de muitas outras espécies ultrapassam de longe a criança com lesões cerebrais nas suas capacidades de relacionamento social, de agir independentemente, de ter autoconsciência e de todas as outras capacidades que poderiam razoavelmente considerar-se como conferindo valor à vida.
Mesmo com os cuidados mais intensivos, algumas crianças gravemente afectadas nunca conseguem atingir o nível de inteligência de um cão. Nem podemos fazer apelo ao empenhamento dos pais da criança, uma vez que eles, neste exemplo imaginário (e em alguns casos reais), não querem manter a criança viva. A única coisa que distingue a criança do animal, aos olhos dos que defendem que ela tem “direito à vida”, é o facto de ser, biologicamente, um membro da espécie Homo sapiens, ao passo que os chimpanzés, os cães e os porcos não o são. Mas utilizar esta distinção como base para conceder o direito à vida à criança e não aos outros animais é, claramente, puro especismo. É exactamente este o tipo de distinção arbitrária que o racista mais cruel e assumido utiliza para tentar justificar a discriminação racial.»
Peter Singer, A Libertação Animal
No dia 16 de Agosto no parlamento madeirense foi apresentado pelo PAN um voto de pesar pela morte de um lince. Sabemos que há uma luta pela defesa do conceito de família multiespécie, os cães e os gatos já não têm donos, mas “tutores”, o negócio de compra de bolos de aniversários para animais, presentes de aniversários, máscaras e disfarces é altamente lucrativo. A área da saúde emocional e psicológica dos animais tem um crescimento acentuado e defensores acérrimos. Por estes dias emocionou o mundo ocidental a morte de Sphen, o pinguim ‘gay’, como escreveu o jornal Público «O pinguim ‘gay’ cuja “história de amor cativou o mundo”». Muitos animais no mundo ocidental têm condições de vida muito mais humanas que de muitas pessoas.
A antropoformização dos animais, a transferência de emoções próprias entre humanos para animais é cada vez mais corrente. Trata-se de um sintoma poderoso da solidão emocional das massas e do que é sem dúvida um capítulo importante de uma antropologia do desenraizamento e desidentificação em vigor com o progressismo.
Um humano não é um animal e um animal não é um humano, o mundo dos humanos tal como o mundo dos animais tem características que não são intermutáveis. Claro, que vivendo nós numa espécie de peste emocional, dizer o óbvio equivale a padecer de uma fobia animal, como nas questões da cor, do sexo e da orientação sexual, implicará ser fascista, racista, homofóbico, etc.
Não, dizer o óbvio, não significa odiar ou desprezar os animais. Estes merecem o cuidado por parte dos seres humanos e não devem ser vítimas de maus tratos ou de actos de crueldade. Os humanos têm até responsabilidade acrescida porque de facto são qualitativamente diferentes dos animais. A consciência, a liberdade e a responsabilidade são algumas das características distintivas. Um animal deve ser tratado conforme a sua natureza animal, e esse tratamento significa respeito.
Um nome destacado na animalização em curso dos humanos e na humanização dos animais é o Peter Singer. Este filósofo é uma das grandes referências da ética ocidental no mundo progressista das últimas décadas e uma espécie de guru dos direitos dos animais, dos partidos animalistas e da moda: “os animais são humanos ou até melhores que os humanos”.
A relação entre os humanos e os animais sempre existiu, e paradoxalmente a humanização dos animais representa um retrocesso na melhor relação entre as espécies, facto que muitos veterinários, por exemplo, podem confirmar. Nunca a relação dos humanos com os animais foi tão perversa. Respeitar o animal é próprio das culturas que mais vivem com os animais no seu quotidiano, seja para protecção, companhia e alimentação. Essas culturas tratam o animal respeitando a sua natureza, e não tratando o animal como aquilo que ele não é. O surto da humanização dos animais cresce desde os anos oitenta com a progressiva destruição dos laços comunitários, familiares e sociais.
Peter Singer tornou-se conhecido internacionalmente a partir dos anos 70, principalmente com a publicação do livro Libertação Animal que fornece um conjunto de argumentos bizarros e sinistro que hoje estão normalizados e sustentam a ideologia animalista. O movimento dos direitos dos animais (não das obrigações, claro) tem então o seu início em forma de lei e modo de vida. Neste e num outro livro do mesmo autor, A Ética Prática estabelece-se a nova forma como as pessoas devem olhar para os animais, equiparando a vida destes à vida humana. A diferenciação elementar entre espécies transforma-se então em discriminação e preconceito. Quem não aceitar esta tese, será, doravante, considerado um criminoso e um ser desprezível.
Estes livros, particularmente o primeiro, é apresentado como uma referência de justiça e decência. Ficamos a saber que os humanos são animais e, portanto uns e outros devem ter os mesmos direitos e a vida de um animal deve ser respeitada da mesma forma que a vida de qualquer homem. Acontece que os humanos têm tiranizado os animais e não olham para estes como iguais. A dor e o sofrimento que os humanos têm provocado aos animais compara-a Singer com a tirania dos brancos relativamente aos negros, nem mais.
Estas teses para uma mente simples podem ser encantadoras, mas assentam em absurdos inaceitáveis e em falsas equivalências sem qualquer nexo razoável. O respeito pela vida animal não implica que essa vida seja idêntica à de um ser humano. Por exemplo, os direitos são criações humanas e não animais. Defender uma diferença de grau entre espécies, não só significa a mais elementar sensatez, como não legitima, como defendem os fanáticos da ideologia, qualquer ódio pelos animais, mas antes, que se está na posse de um equilíbrio psicológico e cognitivo elementares.
O critério de Singer para aferir se um comportamento é ou não ético, é o do sofrimento e do prazer, ou seja, se um ser sofre, esse sofrimento e/ou prazer tem de ser considerado de modo igual em relação a todo o tipo de seres que sentem. Se um ser não sofre ou não tem prazer, não há então nada a ter em conta… Neste último caso, um humano com determinada doença que o incapacite de sentir ou uma pedra são equivalentes.
O sofrimento e o prazer de um humano são moralmente idênticos ao de uma vaca ou de uma cobra. Por isso é que desferir um pontapé a um idoso na rua ou apedrejar um rato são moralmente equivalentes. Uma criança recém-nascida (e se tiver alguma anomalia, ainda mais) não tem necessariamente mais valor do que a de um animal superior como um porco. Entre a morte de um e/ou a de outro, o porco ou uma serpente têm mais dignidade para viver que uma criança com deficiência. As deficiências de um ser humano legitimam também a opção pela morte de crianças, fetos, recém-nascidos, adultos, etc.
A ignorância de evidências básicas, muitas vezes é intencional nas teses animalistas e exploram desse modo a emotividade descontrolada de alguns seres humanos. Por exemplo, ainda sobre as falsas equivalências, a nossa capacidade de ser moral que tem também uma radicação biológica não é um atributo de outras espécies.
Não somos apenas biologia, mas também somos. É o nosso reportório biológico distinto das outras espécies que nos permite construir também o que designamos como cultura e chegar até ao plano de edificar civilizações.
Quando nos detemos nos argumentos de Singer percebemos o fundo manicomial que subjaz a estas teses. Por exemplo, quem distingue humanos e animais padece de especismo, ou seja, presta um culto à espécie humana e considera essa espécie como superior aos animais. Deveríamos referir antes os animais humanas e os animais não humanos. Quem faz essa distinção necessariamente é a favor de maus tratos e crueldade. Não há também distinção entre a morte dos animais para alimentação e apedrejar um bovino até à morte. Curioso, os animais não comem outros animais? São todos vegans? Os carnívoros padecerão também de uma anomalia humana?
Os argumentos deste autor escondem sempre uma violência vingativa, diz-nos que se defendemos a superioridade de uma espécie em relação a outra, também legitimamos a superioridade de uma família perante outra ou de raça perante outras. Outro dos seus argumentos diz-nos que se a nossa importância vital é superior, porque temos consciência e pensamento abstracto, então um bebé ou certo tipo de deficiência em humana equivale a um animal e assim como matamos animais, por exemplo, para comer, deveríamos também ser indiferentes à morte desses humanos. Para este autor, aliás, a protecção que os seres humanos dedicam aos seus recém-nascidos tem apenas uma explicação, trata-se unicamente da expressão de uma atitude claramente cristã, e nada tem a ver com qualquer valor moral universal.
Poderíamos utilizar dezenas de exemplos para mostrar o lado abjecto que fundamenta, estas posições, no fundo, o seu ódio aos seres humanos, vejamos, apenas mais um ilustrativo desse pensamento numa entrevista conduzida por Victor Frolke para a “Folha de São Paulo” com o título de “Nem toda a vida humana é sagrada” de 22 Julho, 2001.
«(sobre o aborto) [sobre o aborto]
— Uma mulher grávida pode simplesmente não sentir vontade de ser mãe. Se ela já pensa nisso há um mês, acho que é uma razão perfeitamente válida para realizar um aborto.
— Qual não seria uma razão perfeitamente válida?
— Existe uma diferença entre abortos no início e no final da gravidez. No caso dos abortos no final da gravidez, em que o feto poderia sentir dor, acho que é preciso ter um motivo forte. No terceiro trimestre, é preciso ter motivos mais sérios para pôr fim à gravidez. Por exemplo, eu não seria a favor de que pudesse pôr fim à gravidez apenas porque se quer um menino, porque isso reforçaria a discriminação sexual. Mas, se a mãe tivesse dois meninos e quisesse uma menina, isso poderia ser motivo suficiente para o aborto.
— O que faria se tivesse um filho com síndrome de Down?
— Se [o feto] apresentasse bloqueio dos intestinos, uma complicação comum, eu não teria autorizado a cirurgia. Se ele não tivesse outra complicação, mas se conhecêssemos um casal disposto a criar a criança, nós a teríamos oferecido para adopção».
O pensamento de Singer e de muitos partidos políticos com representação parlamentar e dos respectivos lóbis e até de uma certa mentalidade já vigente resume-se ao seguinte aspecto, elevar o estatuto dos animais rebaixando o dos seres humanos. Ora, não só os humanos não são apenas animais, como os animais não são em nada humanos. Depreciar os humanos e humanizar os animais não implicará um maior respeito pelo animal, antes a legalização de um delírio bizarro.
PSA define de um modo insuperável esta ideologia: «A retórica animais humanos/animais não humanos visa precisamente encontrar um denominador comum (biológico), varrendo para debaixo do tapete os aspectos, nomeadamente normativos, que distinguem animais de pessoas. Sabemos onde isso foi usado… Só há duas maneiras de igualação: ou degradando homens a meros animais; ou, em sentido inverso, reconhecendo animais como pessoas (um conceito normativa assente numa base de “ reconhecimento ”). Ambas as vias têm sido ensaiadas.»
As teses de Singer e dos seus émulos tem consequências, imaginemos que elas se transformam em capítulos obrigatórios dos currículos de educação ou ganham forma de lei, como já acontece em certos aspectos. Esta ideologia já está presente em políticas públicas e não é menos assustadora que muitas das ideias que enformaram ideologias brutais do século XX. A indiferença da sociedade perante esta ofensiva manicomial e a cobardia, desinteresse e apatia dos políticos com mais responsabilidade em dizer, mais uma vez, que o “rei vai nu”, mostra o tempo degradante em que vivemos. Será que ser humano e ser animal também se transformará em mera construção social como aconteceu com o ser homem e ser mulher?