Destilação. Tábua de salvação para alguns produtores mas não chega

Bruxelas deu 15 milhões aos produtores nacionais que reclamavam montante igual por parte do Governo. Pedido não teve resposta

Para aqueles que não conseguem escoar a produção ou só o conseguem a preços muito baixos, Bruxelas aprovou um pacote de compensações de 15 milhões de euros: 4,5 milhões de euros para a Região Demarcada do Douro e 10,5 milhões de euros para a restantes regiões vitivinícolas. O objetivo é a produção de álcool destinado exclusivamente a fins industriais, incluindo produtos de desinfeção ou fármacos, ou para fins energéticos. Mas os produtores pedem mais incentivos para avançarem com destilação “temporária e excecional” para fazerem face a uma acumulação de stocks “sem precedentes”.

Para já, o montante do apoio é de 0,42 euros por litro, o que corresponde a 80% do menor preço estimado, tendo por base os dados disponíveis ao nível da produção na campanha de comercialização de 2023/2024. Já no caso do vinho produzido na Região Demarcada do Douro, ao valor referido no número anterior acresce um pagamento adicional de 0,33 euros por litro, num montante total de apoio de 0,75 euros por litro.

Mas os pedidos da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) ao Governo para ir mais longe não teve qualquer eco. Isto porque a autorização comunitária permitia que o Governo português participasse com um valor semelhante, elevando o financiamento até aos 30 milhões de euros. De acordo com o organismo, os apoios ao setor também deveriam chegar aos pequenos e médios produtores de uva. “Esta situação, sentida pelos pequenos e médios produtores um pouco por todo o país, assume particular gravidade na Região Demarcada do Douro, onde os agricultores/ viticultores estão sem perspetivas de conseguir escoar a produção, são milhares de explorações da agricultura familiar que estão em risco”, salienta e lembra que os apoios não podem ser atribuídos apenas aos que têm capacidade de destilar. Ainda assim, reconhece que esta medida da destilação “é bem-vinda”, desde que seja “bem aplicada, com critérios objetivos, controlada – impedindo a especulação – e a preços compensadores”, apesar de não chegar aos pequenos e médios produtores de uva que não produzem vinho.

Face a este cenário, a CNA tem vindo a reclamar a criação de uma medida extraordinária para apoiar financeiramente os pequenos e médios produtores de uva para vinho, “que são os que estão numa situação mais aflitiva, vendo as suas explorações em risco por não conseguirem escoar o fruto da sua vindima”. E além de medidas de caráter mais imediato, a confederação pede uma intervenção de forma estrutural no setor, nomeadamente através do fim da liberalização dos direitos de plantação da vinha na União Europeia e do controlo e limitação das importações desnecessárias de vinhos e de mostos, que inundam o mercado e criam dificuldades ao escoamento da produção nacional a preços justos. “A estas medidas devem somar-se a promoção das exportações e a abertura e reabertura de canais de escoamento da produção”, salienta. 

Soluções imediatas mas insuficientes

A ViniPortugal, embora possa reconhecer que o apoio à produção de álcool para fins industriais possa aliviar temporariamente a pressão sobre o setor vitivinícola, considera que essas medidas não são suficientes a longo prazo. “É necessário ir mais longe, promovendo uma reestruturação do setor que inclua a inovação na produção, a diversificação de mercados e uma maior aposta na sustentabilidade. Incentivar a modernização tecnológica, explorar novos canais de distribuição e exportação, e reforçar a promoção dos vinhos em mercados internacionais são passos essenciais para garantir a viabilidade e competitividade do setor no futuro. Também ao nível da rotulagem, deve ser aumentada a fiscalização, por forma a que os consumidores não sejam iludidos sobre a origem do vinho que estão a consumir”, diz o presidente Frederico Falcão ao i.

Já o presidente do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), Bernardo Gouvêa, chama a atenção para o facto da destilação ter sido a medida que se impunha, no mais curto prazo possível, dentro do que o quadro regulamentar que a União Europeia permite. “Há regras no mercado único europeu, que salvaguardam a descriminação concorrencial dos vinhos que circulam livremente em todos os países europeus. Mas a Comissão Europeia, ciente do contexto atual muito mais difícil, o qual afeta todos os países produtores europeus, já constituiu um grupo de trabalho para abordar a necessidade da reorientação do setor vitivinícola europeu, face às dificuldades atuais. Este grupo de trabalho irá reunir-se muito em breve, em Bruxelas”, salienta ao nosso jornal.