Todas as manhãs, milhões de pessoas despertam, calçam as pantufas, tomam o pequeno-almoço e seguem para o trabalho, enquanto tomam decisões inteligentes, como não meter as chaves do carro na torradeira, por exemplo. Mas são essas mesmas pessoas que, ao chegar ao emprego, olham para os emails e pensam: “Este príncipe nigeriano que tem uma herança sem herdeiros, precisa mesmo da minha ajuda!” ou “A Terra é plana, e quem diz o contrário está ao serviço dos Illuminati.” Ora, como é que estas pessoas, que conseguem escolher entre uma meia de leite e um galão, sem fazer explodir a cozinha, também acreditam que o 5G é uma conspiração para nos transformar em zombies controlados pelo Bill Gates? Este é o grande mistério da estupidez humana: a capacidade de, simultaneamente, realizar tarefas mundanas com relativa competência e, ao mesmo tempo, acreditar em coisas que fazem o Jorge Jesus parecer o Albert Einstein.
A estupidez humana é uma força da natureza, mais imbatível que o Bayern de Munique e mais resiliente que a Dolly Parton, mesmo depois de 17 plásticas. Nem os avanços científicos, nem o bom senso, ou simplesmente um bom par de chapadas bem dadas, conseguem parar o chorrilho de asneiras que nos engole diariamente. E é uma força democrática, sem dúvida. Schopenhauer, esse misantropo, já dizia que a estupidez não discrimina. E, como ele bem sabia, ela é verdadeiramente inclusiva: não quer saber se és branco, preto, azul, vermelho ou verde. A estupidez não tem preconceitos, está presente em todas as cores, carteiras, níveis de escolaridade e até mesmo no número de seguidores do Instagram. É como o Benfica! Tem adeptos em todo o lado, mas com a diferença de que, enquanto uns gritam “Penalty!”, sem perceber a regra do fora de jogo, outros gritam “Fora de jogo!”, quando se trata da vida em geral.
Mas desçamos à terra e falemos de coisas práticas. Quem nunca olhou para o relógio uma, duas, três vezes, e mesmo assim saiu de casa sem saber se estava atrasado ou não? É como se, de repente, o relógio estivesse a comunicar em Morse e nós, cheios de paciência, insistíssemos em traduzir o sinal errado. Qual é o sentido disto? Nenhum, claro. É só estúpido. Como aquela vez em que dizes “bom dia” ao teu chefe às cinco da tarde, só porque ele passou por ti.
No nosso dia a dia, a estupidez também tem os seus momentos de glória. Quem nunca viu alguém a carregar no botão do elevador com uma força titânica, como se isso fizesse o elevador chegar mais rápido? Ou a clássica cena do estacionamento num parque vazio onde o génio da lamparina decide estacionar ao lado do único carro que lá está, o nosso claro, como se estivesse num remake do “Mad Max” filmado no centro comercial Colombo, mas sem as explosões.
E depois, óbvio, temos as compras no supermercado. A pessoa à tua frente discute com a senhora da caixa por causa de dois cêntimos. DOIS CÊNTIMOS! Essa mesma pessoa, que na noite anterior, deve ter gasto uma fortuna em raspadinhas, convencida de que era finalmente aquele o dia em que ia deixar de contar cêntimos. É o cérebro humano no seu esplendor, ignora a lógica, abraça o disparate e ainda se sente bem com isso.
Nas interacções sociais, então, a estupidez brilha como o Sol ao meio-dia num dia de verão. O clássico “Estás bem?” é a medalha de ouro na categoria das perguntas que ninguém quer realmente ver respondidas. É uma fórmula que, na sua essência, tem a profundidade filosófica de uma música dos D’zrt. Perguntamos por perguntar, respondemos por responder, e se alguém se atrever a quebrar o ciclo com uma resposta sincera, é excomungado da comunidade por tempo indeterminado. Provavelmente, um simples “Olá” resolveria o problema e seria muito mais honesto! Mas quem sou eu para julgar? Afinal, também estou aqui a falar de estupidez, o que, por si só, já é um bocado estúpido. Enfim!
Mas onde a estupidez humana atinge o seu auge é na nossa capacidade de transformar tragédias em números. Josef Staline, esse ícone da moda com um bigode assustador, resumiu-a bem: “a morte de um homem é uma tragédia, a de milhões, uma estatística”. Um milhão de mortos? São apenas números. Números que não têm rosto, que não gritam, que não choram. Para a estupidez coletiva, não são milhões de tragédias, mas sim uma mera inconveniência estatística, um incómodo que não perturba o jantar e isso, meus amigos, é estúpido com todas as letras.
E neste mundo moderno, onde temos acesso a todo o conhecimento da humanidade com um simples clique, o que é que muitos fazem? Pesquisam para saber se beber lixívia cura a COVID, ou se a Terra é mesmo redonda. Ou então, assistem a vídeos de gatos a tocar piano. Nada contra os gatos – eu também gosto deles, especialmente em vídeos. Mas quando alguém tem a possibilidade de escolher entre aprender algo útil e ver um gato a fazer acrobacias, começo a pensar que Darwin talvez tenha cometido um erro de casting.
E a ciência? Pobre ciência. Tornou-se num Dom Quixote dos tempos modernos, a lutar contra os moinhos de vento da estupidez. A célebre frase de Descartes, “Penso, logo existo”, foi substituída pelo novo lema “Posto, logo existo”. E quem precisa de Descartes quando temos tanta gente a acreditar que as vacinas têm chips da Microsoft ou que o 5G nos vai fritar o cérebro. Parece que trocámos a lógica pelo wi-fi. É estúpido, eu sei!
E se a ciência anda pelas ruas da amargura, os nossos cérebros não ficam atrás. Graças aos vieses cognitivos, tomamos decisões estúpidas com a confiança de um génio que acabou de descobrir que 2+2 é igual a 5. Como Daniel Kahneman e Amos Tversky diziam: “O que nós vemos é tudo o que existe”, e assim tomamos decisões com base no que é mais fácil de lembrar e não no que é mais provável ou lógico. “Ah, eu lembro-me que ouvi uma história de um avião que caiu, então vou mas é ficar em terra, que é mais seguro.” Sim, porque os acidentes de carro, desses o cérebro não quer nem saber. Ele só se preocupa com o avião que caiu na Indonésia, mesmo que nunca tenha sequer saído de Massamá.
Agora, o verdadeiro Óscar da Estupidez Humana vai para o efeito Dunning-Kruger, essa maravilha psicológica que transforma qualquer Zé-Ninguém num especialista de bancada. Quanto menos se sabe, mais se acha que se sabe, e é por isso que temos tantos especialistas em tudo, desde o futebol até à física quântica, e tudo com a mesma base científica de um horóscopo. Sócrates, aquele que bebeu cicuta, não o outro, teria tido um colapso nervoso ao ver como a sabedoria foi substituída pela ignorância que se auto-satisfaz.
E depois ainda temos aquele viés da confirmação, o velho truque psicológico que nos faz ver o mundo como queremos e não como ele realmente é, numa pura satisfação egocêntrica do nosso “Eu”. E assim, conseguimos defender as nossas crenças com a tenacidade de um adepto de futebol que, mesmo diante de uma derrota humilhante, insiste em afirmar que o árbitro estava comprado, recusando-se a aceitar que talvez a sua equipa pura e simplesmente… não jogou bem. É estúpido!
E se isto ainda não vos convenceu, também temos o glorioso efeito manada, que nos transforma a todos em carneiros, prontos a seguir a maioria para onde quer que ela vá, mesmo que seja para o matadouro. A história está cheia de exemplos, desde as crises financeiras às bolhas especulativas, onde o raciocínio crítico é substituído por uma validação social que nos faz sentir inteligentes ou, pelo menos, parte da multidão.
E por fim, para coroar este desfile de disparates absurdos, temos a cultura popular, onde a estupidez não só é aceite como é largamente celebrada. Reality shows, influencers, e celebridades cuja única realização é existir, transformam a idiotice em espetáculo e a irracionalidade em entretenimento. O que Platão apelidaria como o “declínio da virtude”, nós agora chamaríamos de “content” para acompanhar as modas.
A estupidez humana é um fenómeno resistente, imune ao progresso e indiferente ao esclarecimento, sendo alimentada por vieses cognitivos, cultivada por forças sociais, e glorificada pela cultura popular. Mas também não deixa de ser aquele abraço acolhedor que nos relembra que, independentemente de quão longe a humanidade progrida, haverá sempre um lugar para o bom e velho disparate. Combater a estupidez? Claro, é um dever moral, dizem os filósofos e os bem-intencionados. Mas a verdade é que a estupidez tem um charme que a razão não consegue igualar. E como já bem sabia H.L. Mencken, “ninguém jamais perdeu dinheiro subestimando a inteligência do público”. Portanto, brindemos à estupidez, nossa eterna companheira. Afinal, se vamos ao fundo, ao menos que seja a rir.