Correu viral nas redes sociais, há meses, a fotografia de pai e filho com um diálogo simples. Queixava-se o filho ao pai: «Pai, dói-me a perna». Ao que o pai indagava: «A esquerda, meu filho?». E o filho respondia: «Não, meu pai, a extrema-direita».
Vale o que vale, mas por algum motivo a imagem virou viral na web.
Nos tempos que correm, de facto, mundializou-se a tendência de subida dos movimentos e forças políticas de direita, como, aliás, foi possível confirmar nas ainda tão recentes eleições para o Parlamento Europeu, em junho passado.
Fenómeno a que Portugal também não ficou alheio, com a balança do Parlamento nacional a desequilibrar do prato da esquerda para o da direita de forma clara e inequívoca nas legislativas de março passado.
Ao arrepio do que estamos a assistir um pouco por todo o lado – ainda que ditadores como Maduro procurem resistir enquanto o poder absoluto lhes permitir desrespeitar a vontade popular –, no Reino Unido os trabalhistas liderados por Keir Starmer recuperaram finalmente o Governo, despejando de Downing Street o conservador Rishi Sunak.
Sunak caiu a pique nas intenções de voto com a crise inflacionista e económica e com o endurecimento das políticas de controlo da imigração ilegal, que se tornou um verdadeiro flagelo nacional (e europeu e mundial).
O plano de repatriamento e deportação de imigrantes clandestinos para o Ruanda, no âmbito do protocolo celebrado pelo Governo de Sunak com as autoridades daquele país africano, foi um dos principais alvos das críticas ao primeiro-ministro conservador não só por parte dos trabalhistas britânicos como de toda a esquerda europeia.
Xenófobos, racistas, segregacionistas foram apenas alguns dos adjetivos com que Sunak e os Tories foram mimoseados desde a assinatura do polémico protocolo.
E logo na primeira reunião do seu gabinete em Downing Street, Keir Starmer fez questão de anunciar a revogação do acordo com o Ruanda para a deportação de imigrantes ilegais.
O anúncio, na habitual conferência de imprensa à porta do mais famoso número 10, mereceu o aplauso generalizado dos críticos, internos e externos, de Sunak e do protocolo celebrado com as autoridades do Ruanda.
Ora, a imigração ilegal é um problema que está a ganhar proporções graves, dificilmente controláveis e sem solução que se veja.
Colar o diagnóstico a rótulos de xenofobia, racismo ou segregacionismo é pura cegueira ideológica.
É claro que a extrema-direita não perde a oportunidade para cavalgar a onda e ganhar terreno sempre que pode.
O referendo agora exigido pelo Chega para a viabilização do Orçamento do Estado para 2025 é uma manifestação disso mesmo.
O Sunday Times noticiou, entretanto, nesta semana, que o número de deportações de imigrantes ordenadas pelo Governo britânico tem vindo a aumentar e está claramente acima do verificado em igual período do ano passado (ou seja, quando o Executivo era conservador e liderado por Sunak).
O prestigiado jornal britânico citava o exemplo da deportação de 200 cidadãos brasileiros, de uma só vez, num Airbus 340 especialmente fretado para o efeito pelo Governo de Starmer.
A notícia avançava ainda que o aumento das deportações tinha várias razões associadas, desde a recusa de concessão de asilo político por parte das autoridades britânicas até às suspeitas de tráfico humano e sexual ou, ainda, imigrantes com visto de turista ou de estudante que ultrapassaram os limites da autorização de permanência no Reino Unido e aí passaram a desenvolver outras atividades de caráter permanente (como trabalho sem termo).
Além disso, as notícias dão também conta de que, segundo as informações governamentais, «os repatriamentos voluntários (pedidos de deportação que partem do próprio migrante) aumentaram 45% em comparação com o ano anterior, com aumentos substanciais nos repatriamentos das três principais nacionalidades (Índia, Albânia e Brasil). Juntos, os regressos voluntários de indianos (5.491), albaneses (3.430) e brasileiros (3.054) representaram pouco mais da metade dos regressos voluntários no ano que terminou em junho de 2024. Essas três nacionalidades também foram as principais no ano anterior, mas todas registaram um aumento substancial (Índia, de 2.790 para 5.491; Albânia, de 2.168 para 3.430; e Brasil, de 1.710 para 3.054)».
Ora, aí está!
E voltamos à imagem do pai e do filho: tudo depende da forma como se apresentam as coisas.
Não há só esquerda e extrema-direita. Há esquerda e direita, como há extremos dos dois lados e não apenas de um.
As cercas sanitárias, nos tempos que correm, só beneficiam quem fica fora do sistema quando este deixa de ser capaz de gerar respostas para os problemas e desafios que a sociedade enfrenta.
E a imigração ilegal, seja no Reino Unido ou noutro país ou região, é um dos principais e mais graves.
Não é uma invenção da extrema-direita.
É uma bomba relógio que é preciso desativar.
A correr, porque é urgente e quanto mais tempo passa mais se agrava.
E, para se correr, são precisas as duas pernas.
Sim, a esquerda e a direita.