O PSD e o wokeísmo

O PSD, nestas questões, tem estado numa terra de ninguém, numa posição indefinida, hesitante, não sabendo se pende para a direita ou para a esquerda – e a indefinição em política nunca compensa.

A propósito de um inquérito do Ministério da Saúde lançado (aparentemente em má hora para o Governo) sobre a menstruação, a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, declarou-se a favor do uso de uma linguagem «neutra» nas questões de ‘género’.                                                                  

E qual era essa linguagem ‘neutra’ a que a ministra se referia? Era o uso da expressão «pessoas que menstruam» para designar as mulheres.

A explicação podia ser o facto de haver muitas mulheres já fora da idade menstrual ou que não menstruam por razões de saúde.

Mas não.

A explicação foi que é necessário usar nestas questões uma linguagem que tenha em conta a identidade de género: há pessoas que menstruam e que não ‘se sentem’ mulheres e outras que não menstruam mas ‘se sentem’ mulheres.

Desenvolvo este tema na crónica Viver para Contar, e aqui falo exclusivamente da sua dimensão política.

Como é natural, o assunto ganhou rapidamente repercussão mediática, a ministra da Saúde foi chamada a pronunciar-se mas pôs-se de fora, e quem veio dar o peito às balas foi a ministra da Juventude, defendendo o uso da tal linguagem ‘neutra’.

Ora, a ministra não percebeu – ou fingiu não perceber – duas coisas:

Primeiro, que a expressão «pessoas que menstruam» não tem nada de neutra, pelo contrário, integra-se no movimento chamado woke;

Depois, que o próprio uso da palavra ‘neutra’ não tem nada de neutro, pois já ganhou uma conotação ideológica.

A cultura chamada woke terá nascido em França com filósofos como Michel Foucault e Jacques Derrida, desenvolvendo-se depois aceleradamente em universidades norte-americanas.

E exprime-se por aquilo que designamos habitualmente como o ‘politicamente correto’.

O qual funciona como uma nova Inquisição.

Aqueles que não respeitam a cartilha são ‘cancelados’, ou seja, banidos do convívio social.

É uma espécie de excomunhão.

Sob a acusação vaga de que cometeram «crimes de ódio» – como o incitamento ao racismo, à xenofobia, ao machismo, à homofobia, à transfobia, etc. –, muitas pessoas são canceladas, perseguidas ou mesmo condenadas em tribunal.

Nas redes sociais já existe uma censura que elimina certas mensagens ou impede o seu reencaminhamento.

É óbvio que uma ação provoca necessariamente uma reação – e com esta não foi diferente.          Não foi por acaso que surgiram políticos como Donald Trump, Bolsonaro, Orbán, Le Pen, Meloni, Ventura, e outros, que aproveitaram a cruzada woke para se pronunciarem contra ela e fazerem disso o seu combate.

Se não tivesse havido esse movimento, provavelmente Trump e Bolsonaro não teriam aparecido e ganho eleições.

E até Putin chegou a ter muitos adeptos no Ocidente, incluindo Portugal, exatamente pelas suas posições contra o wokeísmo.

A guerra da Ucrânia é que o fez perder muita popularidade (mostrando, até por isso, que foi um formidável erro político).

Aquilo que até há pouco dividia a direita da esquerda eram as questões económicas: a atitude face à pobreza, os apoios sociais, o combate às desigualdades.                                         Mas hoje, relativamente a isto, todos estão mais ou menos de acordo.                            Todos apoiam os desfavorecidos.                              E o que divide hoje a esquerda da direita é em boa parte a posição face ao wokeísmo: há os que aderem ao politicamente correto e estão sempre a falar do racismo, do feminismo, da homofobia, da imigração, etc., e os que não seguem esta agenda.

Ora, é por isso que o facto de uma ministra se declarar defensora de uma linguagem ‘neutra’, assumindo-se sem complexos como politicamente correta, não é uma questão de somenos, não sendo de estranhar que tenha dividido o partido.

O PSD, nestas questões, tem estado numa terra de ninguém, numa posição indefinida, hesitante, não sabendo se cai para um lado para o outro, se pende para a direita ou para a esquerda – e a indefinição em política nunca compensa.

O partido já viu isso na imigração – tendo de passar de uma posição complacente a uma posição exigente, percebendo que a indefinição nesta matéria só estava a contribuir para o crescimento do Chega.

Com este tema vai acontecer o mesmo.

Quando o PSD perceber que tem de assumir face ao wokeísmo uma posição clara, que não pode ter opiniões iguais às do Bloco de Esquerda de Mariana Mortágua, já terá perdido mais alguns militantes para o Chega.

Uma ministra de um Governo dito de centro-direita ter medo de chamar mulher a uma mulher; designá-la como «uma pessoa que menstrua»; alinhar numa moda que substitui a realidade pela subjetividade e a biologia pela ideologia, é um péssimo sinal.