O problema das vagas nas creches portuguesas e do pré-escolar não é recente. Há vários anos que o assunto tem estado na ordem do dia, com vários pais desesperados, sem saberem onde colocar os filhos, e várias instituições sem lugar para os receberem. Apesar dos esforços do Governo para fazer face ao problema, ainda não existe uma resposta. Mas, afinal, o que está em causa?
Falta de respostas
Já no princípio de julho escrevia o Nascer do SOL que as creches e pré-escolar continuavam à espera do Governo para organizarem o início do próximo ano letivo e darem respostas às famílias. Recorde-se que são milhares de crianças que saem este ano da creche onde usufruíram de gratuitidade no âmbito do programa Creche Feliz – criado no tempo da geringonça, por pressão do PCP e do BE, prometia vagas grátis a todas as crianças nascidas a partir de setembro de 2021 –, e que ainda não têm garantia de colocação na rede pré-escolar (jardim de infância) que abrange as crianças dos 3 aos 5 anos.
Em meados de junho, o Ministério da Educação anunciou um plano, que seria apresentado no mesmo mês, para avaliar a oferta de ensino pré-escolar nos setores público, privado e de solidariedade social, e procurar garantir vaga na educação pré-escolar às crianças abrangidas pelo programa – para assegurar a universalização da educação pré-escolar aos 3 anos seria preciso abrir mais 19.600 lugares na rede pública. No entanto, até agora, ainda não o apresentou. Em julho, interrogado pelo Nascer do SOL, o Ministério da Educação respondeu: “O grupo de trabalho vai apresentar em breve ao Governo um diagnóstico sobre a situação da oferta na educação pré-escolar”.
Também em junho, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social anunciou que as famílias iriam passar a ter acesso a creche gratuita no setor privado se não houvesse vaga na rede social na área da sua freguesia de residência ou trabalho, e não apenas na área do concelho, como acontecia até agora. As novas medidas visam alargar as possibilidades de escolha das famílias na oferta existente de apoio à infância até aos três anos, reduzindo “as deslocações entre trabalho, a creche e a residência” e “melhorando a qualidade da vida familiar”. Porém, sabe-se que mesmo essas as vagas já estão quase a esgotar.
Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, reforça que existem duas situações distintas. “A primeira é a situação das creches… Na maioria dos casos, só na sexta-feira é que a Segurança Social começou a aceitar os pedidos de gratuidade. Normalmente, as coisas são feitas com um mês de antecedência por causa das burocracias. Por isso, temos muitas famílias desesperadas à espera desse ‘sinal verde’. Há famílias que começam hoje a creche e ainda não têm os pedidos aprovados. O que é que vai acontecer? Algumas vão ter de pagar, até a Segurança Social aprovar; há outros colégios que decidiram esperar até dia 8 para ver se a Segurança Social sempre aprova”, explica a responsável, adiantando que as creches receberam um email da Segurança Social, na segunda-feira, a pedir desculpa pela situação e a dizer que estão a fazer um esforço para acelerar o processo, mas que “não está fácil”. “Não compreendemos o que se passa, porque é que existe este atraso”, lamenta.
A outra situação, também ela extremamente grave, segundo Susana Batista, é a das crianças que em setembro deixaram de pertencer à Creche Feliz (completaram 3 anos ou vão completar até ao final deste ano). “Vão passar para o pré-escolar, sendo que a maioria não conseguiu encontrar vaga no jardim de infância público – que é o único que é gratuito. Como sabemos, o Governo, ao assumir funções, comprometeu-se a garantir a gratuitidade a estas crianças e que se não encontrassem vaga no setor público, que lhe seria garantida noutro setor, quer nos IPSS, quer no privado. Até à data de hoje não apresentaram qualquer proposta para essa gratuitidade, nem chegaram a um acordo com os institutos privados”, denuncia. De acordo com a presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, em maio e em junho, houve uma reunião com o Ministério da Educação. “Pediram-nos propostas que nós apresentámos, mas que ainda não foram discutidas. Não há ainda uma resposta para os pais. Não há nada definido pelo Governo e é desesperante”, frisa.
Famílias desesperadas
“Tenho uma filha nascida em Março de 2021. Obviamente excluída porque a medida é aplicável a crianças nascidas a partir de setembro de 2021. Como ela pertence ao ano de transição, ficou sem vaga na creche onde estava (onde pagava mensalidade) porque completou 3 anos e porque as vagas teriam de ficar todas afectas a crianças com creche feliz”, revela ao i Margarida Martins. “Inscrevi-a em várias escolas públicas, entre as quais o agrupamento cujo irmão frequenta. Não entrou. Todas as crianças com idade acima da dela, têm prioridade. Mas como não completa 3 anos entre Setembro e Dezembro de 2024 (porque já os fez em Março) também ficou novamente excluída do apoio agora concedido para o pré infantil”, explica. “Pergunto-me que medida é esta, que discrimina as crianças com base na sua data de nascimento”, lamenta. Margarida Martins revela ainda que enviou um email à DGESTE a expor a situação. “Em resposta, apenas me disseram que as escolas não têm capacidade para todas as crianças e que deveria procurar noutras escolas e agrupamentos fora da minha residência, utilizando o critério de proximidade com o local de trabalho. Também não consegui vaga. Disseram-me para aguardar por uma desistência, mas que ainda assim, todas as crianças mais velhas que a minha filha, e também sem vaga, passariam à frente”, acrescenta. A mãe admite ainda que não lhe restou alternativa senão inscrever a criança num colégio particular, “sem qualquer apoio”. “Para a próxima, consulto a legislação antes de pensar engravidar”, remata.
Também Carolina Esteves se encontra com o mesmo problema. “O meu filho nasce em setembro e só o consigo inscrever para entrar na creche em setembro de 2025 ( sem garantias que entre). Comecei a procurar creche em março e as respostas que tive foram que já não existiam vagas para o ano lectivo 2024/2025 a iniciar em setembro de 2024. Algumas creches também me disseram que só seria possível inscrever após o bebé nascer e que, uma vez que nasce em setembro, só se poderia inscrever para o ano letivo 2025/2026. A solução que tenho é colocar em ama particular”, desabafa.
Este ano, a rede pública de pré-escolar representava 53,8% (132.525 crianças) de oferta e uma despesa no Orçamento do Estado (OE) de cerca de 505 milhões de euros; a rede social assegura o lugar a 69 mil crianças e um custo no OE de 131 milhões. Quanto ao setor privado independente do Estado, garante mais de 44.500 vagas e um custo de 1,5 milhões do erário público. Segundo dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, divulgados na terça-feira, o Estado paga atualmente 473,80 euros por criança de mensalidade às instituições abrangidas pelo programa de creches gratuitas – valor que significa mais 13,80 euros do que no ano letivo de 2022-23. De acordo com os mesmos dados, o programa abrange atualmente 1.998 instituições, sendo 1.511 da rede solidária, 472 da rede aderente e 15 da rede pública. Do total, o concelho de Lisboa regista o maior número de creches aderentes (110), seguido por Sintra (60) e Vila Nova de Gaia (50). No total estão abrangidas pelo programa “Creche Feliz” 100.124 crianças, sendo que mais de seis mil têm 0 anos, 34.624 têm um ano, 41.283 dois anos, 15.464 têm três anos e 24 têm quatro anos. O concelho com o maior número de crianças abrangidas é Lisboa (7.074), seguido por Braga (2.333), Oeiras (2.313), Loures (2.295) e Cascais (2.089).