Queridas filhas,
O Ocidente é visto com desprezo pelos países asiáticos. Porquê? Porque fala de ‘cima para baixo’ para os outros países quando as suas práticas são iguais ou piores. Isto chocou-me. Como investidor, sigo de perto os desenvolvimentos de países por todos os continentes. Esperava que o Ocidente fosse visto como um modelo a seguir. Longe de isso. Acham que somos hipócritas, amorais e decadentes.
Olhemos para o caso da democracia. A administração Biden tem enquadrado a sua política externa na luta entre ‘Democracias e Autocracias’. A democracia modelo da Antiguidade Grega era uma ‘democracia direta’: um voto por cada homem livre. Todos os temas comunitários iam a votos.
Aquando da Revolução Americana, rapidamente se conclui que tal não seria prático, e optou-se por uma ‘democracia representativa’: eleições de representantes que em assembleia, e em representação da vontade do povo, votam leis e políticas. O sucesso desta nos USA e depois no Ocidente, encorajou-nos a tentar levar este modelo aos quatro cantos do mundo. Mas eles não estão interessados pois, na sua visão, as classes políticas ocidentais distorcem a vontade popular de tal forma que não se distinguem de regimes autocráticos, com a agravante da maioria dos governantes ocidentais serem menos competentes (que Lee Kuan Yew ou Deng Xiao Ping) e terem menos sentido de Estado que os asiáticos. Não concordando inteiramente com eles, vou mostrar fatos que os suportam para vossa reflexão.
- Governos não representam a vontade popular. Em 2024 os trabalhistas britânicos subiram a sua votação de 32.1% para 33.6%. Em consequência, mais do que dobraram o número de deputados e passaram de oposição a maioria absoluta. Em França, Macron aliou-se à extrema-esquerda para combater a direita de Le Pen. Conseguiu 24.5% de votos, a esquerda (incluindo comunistas) 25.8%, o partido de Le Pen 37.1%. Mas dada a aliança Le Pen não pode formar nem estar no governo. A cereja no cimo de bolo é a UE: von der Leyen e António Costa não foram eleitos. E os comissários são nomeados em segredo e sem consulta popular. Nos USA os partidos redesenham os mapas políticos de forma cómica de forma a maximizarem as probabilidades de elegerem congressistas: por vezes vizinhos votam em distritos de congresso distintos.
- Tirania da maioria. Este tema foi muito debatido pelos fundadores dos USA e por John Stuart Mill em Inglaterra. O risco de o vencedor das eleições, avançar com o seu programa sem atender aos interesses dos que não votaram neles. Aqui no nosso Portugal vemos o atual Governo a recusar qualquer colaboração com partidos como o Chega ou o Partido Socialista (ambos com larga representação popular). O mesmo se observa em França e Inglaterra como notado acima. Na Alemanha, há um crescente apoio a AfD e BSW ambos eurocéticos e a coligação de governo não tem dialogado com eles para tentar acomodar um pouco as suas visões. Tudo isto cria pressões que podem levar a surpresas nas próximas eleições.
- Liberdade de expressão. Nos USA há uma pressão constante sobre as redes sociais para censurarem tópicos que a Casa Branca não gosta. Na UE isso vai a um nível extremo, com Thierry Breton a usar a regulação europeia para tentar moderar o que as empresas tecnológicas podem fazer. Recentemente, antes de uma entrevista entre Elon Musk e Donald Trump, Breton ameaçou pesadas multas numa clara, antidemocrática e diplomaticamente condenável interferência em eleições de países alheios.