Agosto sísmico que menstrua

Se é sobre saúde menstrual, é natural que seja sobre pessoas (o universo da DGS) que menstruam (o tema do inquérito).

Já ouvi dizer que agosto foi muito parado, que não aconteceu nada, uma chatice, nada de eventos relevantes, muito menos catástrofes, nem um incêndio grande (cruzes canhoto), nada de processos judiciais (dos de jeito, não de faca e alguidar) para alimentar o chamado jornalismo judiciário, nada de nada, um tédio noticioso – tão grande, que foi preciso (dizem) durante vários dias fazer oitocentas e trinta e seis notícias (soit disant) sobre os dez anos da chamada queda do BES, para, como se diz, ‘encher chouriços’. Pois eu não concordo, e acho até que em agosto aconteceu muita coisa – e nem estou a pensar na questão das eleições americanas, nem na guerra na Europa de Leste, nem no médio Oriente, nem sequer na Venezuela. Estou a pensar no sismo, o sismo português, o que me fez acordar vagamente de madrugada e, depois de voltar a adormecer e acordar uma hora e picos depois, ter de confirmar se tinha mesmo acontecido ou se era sonho. E não é que tinha mesmo acontecido?! E teve mais de 5 pontos na escala de Richter. E deu um dia inteiro (pelo menos) de espera por réplicas, para já não falar no possível tsunami, sendo certo, e não menos importante, que os mais altos cargos da nação deram toda a atenção ao caso e até reuniram. E depois ainda dizem que agosto não teve acontecimentos. Como assim, com um sismo e tudo? É verdade que não caiu uma pedra, nem rachou um tijolo, e mal abanaram os copos na cristaleira, mas mesmo assim foi, ao que ouvi, o maior sismo dos últimos não sei quantos anos. Um acontecimento e tanto. Eu é que tenho o sono pesado, e mal dei por isso no momento. Mas nesse dia e nos seguintes vi e ouvi que tinha sido uma coisa importantíssima.

Mas, como se não bastasse eu ter o sono pesado, acordado também não dou muita atenção às coisas, pelos vistos, porque antes desse sismo parece que houve outro, de diferente natureza, e que também abalou agosto, e pelo qual (em jeito de réplica pré-outonal) só dei agora. Falo do sismo das ‘pessoas que menstruam’, que tanta polémica parece ter dado, tanto abalo, de um lado e de outro das placas tectónicas das ideias. Eu, agora, já no rescaldo, fui ver – como o outro, o do batem leve, levemente, como quem chama por mim -, porque achei que poderia ser daquelas coisas modernas radicais, de mudar os nomes a tudo, para não ofender e para não reduzir a identidades, mas afinal criando novas identidades, com a agravante de que fica tudo muito azedo, muito sério, e a dar demasiada importância a tudo, e sem nenhum benefício da dúvida, sem humor, sem relativizar, tudo cancelado, tudo ofendido. Mas desta vez até nem é nada disso, é uma coisa que a mim me parece mais simples, mas que pelos vistos incendiou (soit disant) o agosto. Parece que a DGS fez um inquérito sobre saúde menstrual. E dirigiu-o às, e cito, pessoas que menstruam. Ai jesus, e tal, que deveria ter dito mulheres, diz um lado, e não poderia ter dito mulheres, diz outro, e tudo muito irritado. Calma, não será caso para tanto, e eu não vejo nenhum problema na linguagem da DGS. Se é sobre saúde menstrual, é natural que seja sobre pessoas (o universo da DGS) que menstruam (o tema do inquérito). Há mulheres que menstruam, é verdade (e outras não menstruam, seja pela idade, seja pela amenorreia). Mas também há quem menstrue e não o seja (segundo os vários critérios aplicáveis ao ser, uns do foro do que cada um sente e é, outros do foro da ciência). Pelo que qual é o problema de dizer pessoas em vez de mulheres? Não só não há problema, como até é bom, porque está correto, porque define bem o universo e objeto do inquérito da DGS e porque não agride. Se se dissesse mulheres, estaria menos bem; mas também não seria o fim do mundo. O que não é preciso é tanto sismo por tão pouco. Como diria o outro, não havia necessidade. Nem mesmo em agosto. l

Advogado