Duas mulheres estiveram muito recentemente em foco. Uma, Leonor Beleza, foi apontada como possível candidata a Presidente da República – embora tenha vindo dias depois a declarar-se indisponível para a função. A outra, Maria Luís Albuquerque, foi escolhida pelo Governo para comissária europeia. Conheci ambas de raspão. No tempo em que Leonor Beleza era ministra da Saúde de um Governo de Cavaco Silva, enfrentou um complicadíssimo processo envolvendo uma remessa de sangue contaminado vinda da Áustria, que foi administrado a hemofílicos; e a mãe, Maria dos Prazeres, foi envolvida no mesmo processo por ser secretária-geral do Ministério, o que complicava as coisas.
Além disso, a ministra mantinha com a Ordem dos Médicos um duríssimo braço de ferro, e um seu secretário de Estado, Costa Freire, foi alvo de um inquérito por possíveis irregularidades cometidas na construção do Hospital S. Francisco Xavier.
A polémica envolvendo Leonor Beleza foi prolongada, a campanha mediática contra a ministra foi violentíssima, e eu fui dos poucos colunistas com alguma influência a defendê-la.
Recordo-me de uma capa da revista Visão onde se perguntava: Quem põe as mãos no fogo por Leonor Beleza?
E na semana seguinte, na minha coluna do Expresso, eu respondi: «Ponho eu».
Não a conhecia pessoalmente.
Mas achei que era minha obrigação moral defendê-la – pois considerava-a vítima de uma campanha injusta e com motivações políticas evidentes.
Uns anos mais tarde incompatibilizar-se-ia comigo por razões difíceis de acreditar (que incluíam, imagine-se, o então líder do CDS, Paulo Portas).
Um dia contarei aqui essa história.
Curiosamente, a agora escolhida para comissária europeia pelo Governo PSD/CDS, Maria Luís Albuquerque, também foi protagonista de um caso em que esteve presente Paulo Portas. Discordando da decisão de Pedro Passos Coelho de a nomear ministra das Finanças, Portas anunciou a sua demissão «irrevogável» do Governo.
Depois recuaria, num transe penoso, e Albuquerque manter-se-ia mesmo como ministra – onde revelaria uma forte personalidade e competência técnica.
Tornou-se uma das figuras que podiam suceder a Passos Coelho no PSD.
Mas nunca o quis – ou não teve apoios para isso.
Só estive com ela uma vez, numa entrevista para este jornal.
Nesse dia, quando nos sentámos à mesa, declarou que só dispunha de 45 minutos.
As minhas entrevistas costumavam durar entre 1 hora e meia e duas horas, e eu disse-lhe que 45 minutos era completamente impossível.
Mas ela manteve-se imperturbável
Após uma breve troca de palavras em que não cedeu um milímetro, adiantou:
- Estamos a perder tempo… Já só tenho 40 minutos.
Comecei a entrevista.
Ela respondeu sempre às perguntas de forma direta e objetiva, sem fugir a nenhuma questão.
Ao fim de 40 minutos todas as perguntas tinham sido respondidas.
E aí fiquei a perceber que estava ali ‘alguém’: uma pessoa de vontade firme, ideias arrumadas, sabendo muito bem o que queria e como o alcançar.
Perguntei um dia a Passos Coelho se ela não estava interessada numa carreira política, mas respondeu-me de forma algo evasiva:
- Acho que sim. Se não estivesse, não teria aceitado ser vice-presidente do PSD…
Mas a verdade é que o Governo de Passos Coelho chegou ao fim e ela desapareceu.
Quando eu achava que iria reaparecer, isso nunca aconteceu.
E agora, inesperadamente, numa altura em que ninguém pensava nela, e muitos já a davam como perdida para a política, o seu nome voltou à tona de água.
Pelo que fica dito, considero Maria Luís Albuquerque uma excelente escolha para a Comissão Europeia. Não acreditem nas vozes daqueles que a desmerecem. Mais uma vez Montenegro surpreendeu tudo e todos. Só há aqui um pequeno problema: é mais uma ‘figura’ que emigra. Quando queremos reter em Portugal ‘os melhores’, exportamos para Bruxelas uma pessoa com a qualidade de Maria Luís Albuquerque.
A escolha é boa – mas faria mais falta em Portugal do que em Bruxelas.
Vai executar uma política que pouco influenciará o nosso quotidiano.
Fará um bom lugar? Tenho a certeza que sim.
Honrará Portugal? Também.
Mas repito: pessoas como Maria Luís Albuquerque fazem sobretudo falta na política portuguesa, cada vez mais empobrecida, e a sua presença a quase 2000 Km de distância de Lisboa pouco ou nada nos adiantará.