Há alguns meses, jantava num restaurante em Paço de Arcos. Estava a ser atendido por um jovem brasileiro. Tinha 19 anos. Veio sozinho do Brasil, de um daqueles estados do interior que nos parecem tão distantes quanto efetivamente são.
Imigrou sozinho para Portugal, longe da família ou dos amigos, que normalmente fazem a vida de um jovem daquela idade. Não sei se aquele jovem é uma ameaça à nossa sociedade, não creio. Como também não acredito que muitas outras pessoas, que procuram melhor vida para si e para os seus, constituam ameaça.
A história deste jovem imigrante lembrou-me a vida de um grande empresário português que, após servir na guerra colonial, acabou a pedir esmola em Santa Apolónia, onde pernoitou alguns dias, para comprar o bilhete para França. Viveu na ‘bidonville’, regressando mais tarde ao seu país, já empresário de sucesso.
As políticas de imigração não se fazem de simplificação ou populismo, fazem-se com seriedade, pragmatismo e lucidez.
A fronteira é o limite convencionado da autoridade soberana do Estado. A administração tem necessariamente de saber quem entra dentro dos seus limites, e conhecer a sua atividade, respeitando os seus direitos como pessoa.
Claro está que pedir uma discussão séria sobre este assunto, num ambiente político quase ‘balcanizado’ como o nosso, é virtualmente impossível. Sendo que ‘virtual’ é a palavra essencial, com a realidade paralela das redes sociais, onde a política confrontacional e maniqueísta ganha fulgor, com muitos adjetivos, discursos panfletários e superlativa ignorância.
Sabem, todos os que têm o mínimo de consciência, que um país que atravessa uma crise demográfica como a portuguesa, necessita de imigrantes como força de trabalho e meio para equilíbrio da segurança social. Outro tema distinto é perceber quem e em que condições pode imigrar para Portugal; e, uma vez estando cá, o que lhe é exigido.
A ideia da criação de sociedades multiculturais, que não integraram verdadeiramente, e que criaram pequenos guetos, associada a uma lógica politicamente correta, faliu. Esta ideia criou um caldo de cultura (em Portugal e na Europa) que foi tolerando alguns atentados ao que aqui se considera dignidade humana, olhando-os como diferenças culturais.
Estamos, há anos, a acumular erros, por falta de coragem de assumir o óbvio: ‘portas abertas a quem quer vir, devendo estes respeitar o lugar para onde emigram’. Elementar bom senso.
Ao não assumirmos que há regras para cumprir nas nossas sociedades, abrimos uma vez mais espaço aos populistas, que se aproveitam dos pequenos descontentamentos acumulados. Vejam-se os protestos deste verão no Reino Unido ou a recente proposta do Chega para realização de um referendo sobre a imigração. Não faz sentido que os dois países europeus com maior vocação universal histórica estejam agora a protestar contra a presença de estrangeiros no seu País.
Este Governo, mantendo uma lógica de abertura à imigração, já introduziu alterações legislativas a uma lógica descontrolada da mesma. Urge, porém, fazer mais: a AIMA não funciona, o SEF já foi desmantelado e os pedidos de nacionalidade estão em regime de câmara lenta.
Convém que respeitemos quem chega e que nos respeitemos a nós próprios enquanto comunidade, sob pena de estarmos sujeitos aos recorrentes aproveitamentos de quem nada tem para oferecer, senão trazer ao de cima o que de pior a nossa sociedade tem.