Como qualquer repórter que se preze, mantenho-me atento ao que se passa em redor, ouço as pessoas, debruço-me sobre as opiniões, farejo aqui e ali, à moda de um pointer, sensações desagradáveis que, muitas vezes, fedem. Talvez Bruno Lage receba, no próximo sábado, no Estádio da Luz, onde o Benfica recebe o Santa Clara, uma enorme ovação de filho pródigo que regressa a casa. Talvez… Mas pela cabeça de todos os que lhe prestarão essa homenagem perpassará a desconfiança natural num treinador cuja carreira descambou em derrotas atrás de derrotas e em despedimentos atrás de despedimentos. Assim à primeira vista, e depois de Rui Costa ter anunciado a sua escolha – por entre a palhaçada circense que muitos tiveram o prazer de interpretar atirando para o ar, como postas de pescada, nomes que chegaram ao ponto do absurdo e do ridículo –, não consigo deixar de pensar no velho adágio da emenda e do soneto. Roger Schmidt, o realizador alemão de filmes de terror, como lhe chamei, pôs-se totalmente a jeito de forma a sair pela porta do cavalo. Eu, que elogiei a maneira como pegou no Benfica mal chegou, trazendo consigo uma filosofia de futebol ofensivo e pressionante que valeram aos encarnados exibições de luxo e resultados internacionais muitíssimo interessantes, tive de enfiar a mão na consciência, fique lá onde ela fique, e redimir-me. Há ano e meio que passei a criticar a degradação da sua capacidade como treinador de um clube da dimensão do Benfica, ainda que o mesmo Benfica não passe, hoje em dia, de um navio fantasma que adorna à primeira vaga das provas europeias e se afunde à vista de qualquer rochedo mais pontiagudo. Pior: a nível nacional não consegue sequer fazer sombra ao Sporting e até o pior FC Porto dos últimos vinte anos conseguiu terminar a época passada com a vitória na_Taça de Portugal, algo incomparavelmente mais valioso do que aquela fantochada da Supertaça.
O teutónico de pés de barro, Schmidt de apelido, agora a gozar férias forçadas e muito bem pagas por conta de uma indemnização milionária que decididamente não justifica, acabou por ser substituído por Bruno Lage e eu, talvez por defeito profissional e por ter visto demasiados enredos deste género, tenho uma grande dificuldade em entender quais os motivos de tal escolha. Aliás, não só eu. Como avisei desde o início desta prosa tenho ouvido muita gente e estado atento a muitas reações. Diz o meu querido amigo Rui Costa, a viver a sua fase mais complicada desde que foi eleito presidente, que Lage é um benfiquista que regressa a um lugar que é seu. Mal seria que o Benfica se deixasse reger por sentimentalismos deste calibre. Ser benfiquista não é sinónimo de bom treinador. Não é nem nunca foi. E, infelizmente para o próprio Bruno Lage, o trabalho que desenvolveu nos últimos anos, no Benfica, no_Wolverhampton e no Botafogo, levam-me a questionar as suas qualidades para tarefa tão gigantesca.
O bocejo
Acrescento ao que atrás ficou escrito que a apresentação de Lage no Benfica foi terrível de má. Um gigantesco bocejo, a raiar o desconsolo. «Vamos jogar bom futebol e ganhar»? A sério? É isto que o novo técnico dos encarnados tem para dizer a uma massa de adeptos que estará, na sua maioria, convencida que a sua equipa jamais recuperará os cinco pontos de atraso que já tem em relação ao_Sporting, isto logo à quarta jornada?_Nem uma atitude de revolta perante aquilo que se passou? Nem um grito de alerta para um ggrupo de jogadores amolecidos, habituados a perder e que aceitam as derrotas da mesma forma que o fazia o seu antigo treinador, afirmando que não percebem o que se passa? Saberá, de facto, Bruno Lage aquilo que se passa neste Benfica sem pés nem cabeça que se desmancha à primeira contrariedade? Pois. Ficámos sem saber e ele também não se deu ao trabalho de nos elucidar.
A escuridão da Luz é profunda e não se vêm luzes a brilhar alegremente no fundo de um túnel que mais parece um poço. Bruno Lage é um homem educado, aparentemente tranquilo, mas também aparentemente sem garra. Com outro problema grave sobre os ombros e que é necessário sublinhar e repisar: habituou-se a ser um perdedor. E a última coisa que o_Benfica precisa neste momento muito, muito grave da sua centenária história, é de um bom rapaz com um saco carregado de derrotas e de contratos por terminar. Voltemos à vaca fria. O jogo de sábado pode começar com muitos aplausos a Lage, na altura de voltar a sentar-se num banco que já foi seu, mas também tem grandes probabilidades de acabar com insultos a choverem sobre ele no caso de a exibição ser má e o resultado ainda pior. Entrando no Benfica pela porta da descrença, o treinador estará demasiado exposto ao humor (que é mau) dos adeptos. Não tem, por assim dizer, qualquer margem de manobra. E se Schmidt já não a tinha, até por via da saturação, Bruno começa de imediato sem ela. Ou ganha ou ganha; ou a equipa joga bem ou a equipa joga bem. Não há mais escolhas. Ou seja, está encarcerado nas poucas palavras que soltou na apresentação de um projeto que parece ser à toa. Um projeto não-projeto.
É natural que, no estado em que o Benfica está, existam muito poucos treinadores de renome dispostos a arriscar o seu prestígio ao pegarem nesta equipa que, ainda por cima, perdeu alguns jogadores que seriam importantes (até pela diversidade do seu jogo) e não se reforçou com nenhum nome excitante. Insisto na palavra que cabe com justeza na verdade atual dos encarnados: entusiasmo. Perdido, há muito, o entusiasmo em Schmidt, frustrados com as contratações que são mais do mesmo, como abrir as goelas em gritos de entusiasmo para receber um treinador que é, por inteiro, a imagem da falta dele? São perguntas a mais e veremos que respostas nos serão dadas, sobretudo aos que, como eu, não estão influenciados por ondas de expectativas. Como crítico, como opinador, como jornalista, a escolha de Rui Costa tem tudo para dar errado. Só não sei dizer se foi a escolha possível. Se não havia outro remédio se não tentar reciclar Bruno Lage, apelando ao benfiquismo que se isso fosse panaceia para todos os males que assolam um clube que resvala bisonhamente para um precipício do qual irá demorar a sair. Nisto de palavras, não gosto de meias: é uma época para esquecer.