É necessário repor a legalidade da política educativa

O que se passou entre 2016 e 2024 é grave porque a política educativa conteve muitas ilegalidades. Não sou eu que o afirmo, é o próprio responsável governamental pela educação que reconhece que desrespeitou a constituição.

A política educativa seguida pelo Partido Socialista ao longo de 8 anos baseou-se na ideia de que compete aos governantes definir o que pode ser ensinado às crianças portuguesas e que a vontade dos pais só deve ser considerada quando estiver de acordo com o governo. O facto de esta política ter uma base ilegal nunca perturbou os decisores socialistas. Agora que se inicia o ano escolar compete ao actual governo restabelecer a total legalidade da política educativa.

A Constituição pronuncia-se sobre a educação das crianças em 4 artigos, que são aqui apresentados pela sua ordem decrescente de importância em termos constitucionais:

  • ART 36: Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
  • ART 43: O Estado não pode programar a educação … segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
  • ART 67: Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família … cooperar com os pais na educação dos filhos;
  • ART 68: A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes (i.e., superiores a todos os outros)

Estes artigos da Constituição são cristalinos sobre quem recai a responsabilidade pela educação das crianças: sobre os pais. O mesmo se passa no ART 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos. Nem poderia ser de outra forma. O contrário só acontece em sociedades de cariz totalitário e colectivista.

Note-se que o facto de a responsabilidade ser dos pais não impede que o Estado tenha uma política educativa. Mas essa política deve assentar na cooperação com os pais “para protecção da família” – pelo que não pode impor uma vontade estranha à dos pais que desproteja a família – e na ausência de directrizes “filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”.

Para os socialistas tudo isto é irrelevante. O que se passou entre 2016 e 2024 é grave porque a política educativa conteve muitas ilegalidades. Não sou eu que o afirmo, é o próprio responsável governamental pela educação que reconhece que desrespeitou a constituição.

Para aquele governante socialista tudo é ideologia. Cito: “A ideia da escola neutra, da escola ‘limpa de ideologia’, é fantasiosa. Não há nem nunca houve opções curriculares que não espelhem opções”. Se as opções seguem directrizes ideológicas, como afirma, então são ilegais.

O significado que dá a “ideologia” é demonstrativo: é a “expressão aberta daquilo que se pensa, quando não se tem medo de pensar”. Esta ideia que associa ideologia à ausência de qualquer limite ao pensamento que seja causado pelo medo reforça a ideia de que no Ministério da Educação foi maior a preocupação com o ideário do que com a legalidade. Se aquele fosse o significado de “ideologia” a Constituição não proibiria directrizes ideológicas na educação.

Sendo um linguista adepto do que é “culturalmente construído”, o governante gosta de narrativas.  E é desse prisma que vê a escola como um local que “promove um ideário convertido em matriz de valores”. Usa a linguagem como ferramenta para colocar a sua “ideologia” nos conteúdos educativos e para manipular os valores a passar aos estudantes.

A opção pela ideologia fica ainda mais clara quando o governante fala em consensos e na escola como local de “respeito mútuo através do diálogo construtivo e saudável”, e ao mesmo tempo qualifica os que não subscrevem as suas ideias como “tiranos”, “perversos”, “cruéis”, “retrógrados”, “reacionários”, “bolsonaros” ou “moralistas“. O que diz tudo sobre a sua atitude.

Ideologia para uma revolução social

Os exemplos da acção governativa socialista ideologicamente motivada e que causou uma divisão do sistema educativo são vários: os fins dos contratos de associação, o acesso a manuais escolares gratuitos apenas aos alunos das escolas detidas pelo Estado, e o mesmo na distribuição de computadores e no acesso à internet de banda larga para as aulas “on-line” durante a pandemia (tardiamente disponibilizados).

A tentativa de manipulação, e mesmo de lavagem cerebral, esteve também presente na actuação do governante socialista através de muitos dos conteúdos curriculares introduzidos. A ideia de incentivar miúdos de 10 anos a organizar manifestações sempre que não concordam com alguma coisa só pode vir de quem sonha com “revoluções” e as coloca à frente da responsabilidade pedagógica. Como também aconteceu com a perseguição feita aos melhores alunos de Famalicão, a quem o ministro socialista quis impor uma vontade estranha à dos pais que, em vez de proteger a família, como obriga a Constituição, só a tentou fragilizar.

Nos temas fracturantes, tão do agrado do governante que até escreveu um livro para os justificar, ao pretender condicionar a quase totalidade da população escolar a uma linguagem única que satisfaz o seu ideário revelou tiques autoritários e desrespeitou estudantes, pais, professores e funcionários. Esta motivação ideológica de política educativa foi confirmada de diversas formas:

– Contradisse o conhecimento científico em que diz basearem-se os currículos educativos e fomentou a confusão na cabeça dos alunos. Por exemplo, quando os referenciais educativos promovidos pelo governante referem que a “caracterização … dos homens e das mulheres em termos pessoais e sociais, a partir do conhecimento da sua categoria biológica de pertença … [é uma] visão dicotómica [sem] qualquer fundamento científico”;

– Promoveu a doutrinação através da desconstrução da família quando a Constituição estabelece que incumbe ao Estado, “para protecção da família”, cooperar com os pais na educação dos filhos. Por exemplo, quando os alunos são questionados, no pré-escolar (4 anos), se faz “sentido celebrar o Dia do Pai ou o Dia da Mãe como tradicionalmente se fazia?”. Repare-se na irresponsabilidade promovida pelo Ministério, que a maioria dos educadores recusou seguir.

– Tentou limitar as escolhas femininas com a indicação de que a carreira deve ser a prioridade da sua vida e com a desvalorização das relações afectivas heterossexuais associadas ao casamento porque as mulheres as assumem como uma forma de se sentirem valorizadas. Extraordinário.

– Implementou a engenharia social através da sexualização precoce das crianças, sem consentimento dos pais, quando se pretende que miúdos de 4 anos questionem “a relação entre identidade biológica e características da personalidade (a relação entre sexo e ‘género’)” ou que pesquisem a vida de animais “com formas de expressão da sexualidade diversa da humana”, que aos 6 compreendam a diversidade na sexualidade e identifiquem os diferentes métodos contraceptivos, ou que aos 12 discutam na aula «quem manifesta primeiro o desejo de maior intimidade sexual?”.

As tentativas de manipulação e de formatação cerebral de crianças são por demais evidentes. Estes exemplos, e há muitos mais, não devem ser desvalorizados pelos pais pois explicitam um objectivo muito claro de destruir aspectos concretos da sociedade em que vivemos em nome de uma ideologia. Por isso foram incentivadas sessões nas escolas organizadas por “activistas”, frequentemente sem conhecimento e autorização dos pais. Este objectivo foi reforçado quando a própria governação socialista divulgou que o sistema educativo deve “entender a contracultura como fenómeno potenciador da mudança social”.

A política socialista aplicou uma visão ideológica em que é o governante/Estado que decide o que deve ser ensinado às crianças. Para isso recorreu a ideólogos que construíssem currículos educativos em prol de uma via “revolucionária” que reorientasse a educação escolar. E desrespeitou os pais ao dialogar apenas com os que subscreviam o seu ideário, o que é característico das governações motivadas ideologicamente.

O racional desonesto que o suportou resume-se no reconhecimento de que a ideologia na educação é ilegal enquanto as opções ideológicas são aplicadas ao ensino, e na afirmação de que os conteúdos educativos são baseados numa ciência e não na vontade dos pais, podendo as famílias, se quiserem, contestar a visão científica em que o ideário se baseia e, dessa forma, colaborar com o Estado. Para a governação socialista não é o Estado que coopera com os pais, como a Constituição estabelece, são os pais que colaboram com o Estado. A magia linguística transforma a família responsável pela educação das crianças num apêndice da ideologia.

Esta sonsice de 8 anos que sustentou a ilegalidade amoral da governação socialista deve levar-nos a retirar as devidas consequências, especialmente estas duas:

i) Compete ao novo governo restabelecer a total legalidade da política educativa e retirar conteúdos ideológicos dos referenciais de educação;

ii) Fica a questão de saber se a política educativa socialista deveria ser chamada à responsabilidade pela justiça. A abertura de um inquérito sobre a natureza ideológica da educação durante os últimos 8 anos é um imperativo legal e um sinal de cidadania.

Professor e Coordenador do Gabinete Programático do CDS-PP