Um clube à deriva

Nas últimas semanas, vimos o Benfica transformado num entreposto. Saíam uns jogadores, entravam outros, num estranho rodopio. Não havendo nisto uma lógica desportiva, só podia haver uma lógica comercial

Um clube grande é sempre o espelho da sua equipa principal de futebol. Tudo pode correr bem em quase todos os domínios, o clube pode conquistar títulos em várias modalidades, mas se a equipa de futebol falhar, tudo se perde; inversamente, muita coisa pode correr mal, mas se o futebol der alegrias aos adeptos, tudo se esquece. 

O Benfica não foge à regra. E agora, como a equipa está mal, tudo parece errado. 

Mas o que sucedeu? 

Quando o treinador Roger Schmidt chegou ao clube, teve de se contentar com os jogadores que tinha. Conseguiu, no entanto, pô-los a jogar o dobro, encontrou rapidamente um onze-base e as coisas correram muito melhor do que se esperava. Até João Mário marcava golos! Schmidt jogava sempre com os mesmos, quer se tratasse do campeonato português ou da Champions. E o Benfica foi campeão.

Era previsível que a época seguinte fosse ainda melhor. Porque Schmidt conheceria melhor o futebol português, os jogadores já conheciam as suas ideias, e – last but not list – poderia contratar dois ou três jogadores a seu gosto, para lugares-chave.

É certo que iriam sair algumas peças importantes; mas isso aconteceria também aos rivais. 

Sucedeu, porém, o que se sabe. O treinador, sendo fisicamente o mesmo homem, parecia outro. Em vez de ter um onze-base, começou a inventar uma equipa nova para cada jogo. E não só os jogadores mudavam, como trocavam de posições. Umas vezes jogavam à direita, outras à esquerda, umas vezes atrás, outras à frente. E não se percebia uma lógica por detrás daquilo. Tudo parecia arbitrário e improvisado. 

E depois veio o problema com o guarda-redes Vlachodimos, que ninguém compreendeu. E a seguir os problemas com os adeptos. 

A equipa não rendia – mas o treinador mantinha-se impassível durante os jogos, de braços cruzados, como se não valesse a pena fazer nada. E os benfiquistas enervavam-se ainda mais.

E à passividade do treinador, juntava-se a passividade do presidente, que parecia alheado da realidade. 

Assim chegámos ao fim da época. E aí, das uma, uma: ou Rui Costa mantinha absoluta confiança no técnico e conservava-o contra ventos e marés, ou tinha dúvidas – e, nesse caso, devia despedi-lo, para permitir que a nova temporada já fosse preparada por um novo treinador. Mantê-lo e despedi-lo ao fim de 4 jogos é que não fez sentido nenhum. 

Mas este problema talvez seja o reflexo de algo mais profundo. Nas últimas semanas vimos o Benfica transformado num entreposto. Saíam uns jogadores, entravam outros, num estranho rodopio. Semana sim, semana sim, lá víamos o inevitável Rui Pedro Braz no aeroporto de Lisboa a afastar os jornalistas e conduzir mais um reforço para o Estádio da Luz. 

Entravam jogadores que ninguém conhecia para posições que não faziam falta, e saíam outros não se percebendo porquê. E como não se via lógica desportiva naquilo, só sobrava uma explicação: a lógica comercial. Alguém certamente ganhava com esses negócios. E quanto mais jogadores entrassem e saíssem, mais ganhava.

O empresário Jorge Mendes parece mexer os cordelinhos nos bastidores. No tempo de Jesus, diziam-me que ele fazia pressão junto de Vieira para jogarem uns e não outros – e tinha de ser o treinador a resistir às pressões. Agora não sei como será. Mas é impossível não pensar que o Benfica se transformou num local de negociatas. 

A direção fica muito contente por vender um bom jogador por 60 milhões, mas depois gasta esse dinheiro em três ou quatro jogadores que não prestam. E dá umas informações que não convencem. Diz que Marcos Leonardo custou 18 milhões e foi agora vendido por 40. Mas isto faz algum sentido? Um avançado que pouco jogou valoriza-se em vez de se desvalorizar? Não digo que seja tudo uma mentira, mas haverá aqui muita engenharia financeira. Já a venda de João Félix me cheirou (e continua a cheirar) a esturro. Pode ter sido tudo legal. Mas só saberemos uma parte da história.

Nessa altura, com 126 milhões no bolso, o Benfica parecia nadar em dinheiro. Garantiam os jornalistas e os comentadores (que muitas vezes são cúmplices de dirigentes dos clubes) que era o único clube português com uma «sólida situação financeira» – e com esse argumento comprou vários jogadores por 20 milhões (parecia uma tabela fixa) para fazer «uma equipa capaz de ganhar a Champions». Viu-se. E agora diz-se que a situação financeira é periclitante.

Mas o que é isto? Que gestão é esta? Como se explicam todos estes negócios? O percurso de Roger Schmidt foi um mistério, porquê? Endoideceu? Foi pressionado? 

Um clube é sempre o espelho da sua equipa de futebol. Mas sente-se que o problema do Benfica não é só esse. Do vértice à base há muita coisa errada. O presidente não lidera, há muitos interesses fora do campo, a gestão do plantel é inexplicável, a gestão financeira é caótica.

Neste momento, o Benfica é um clube sem rumo. À deriva.