Areia para os olhos

O relatório da IGF só serviu para lavar as mãos de Pedro Nuno Santos, o grande responsável pela hemorragia de dinheiros públicos com a reversão da venda da TAP. E, de caminho, atirar lama para Maria Luís Albuquerque e Miguel Pinto Luz, que pouco tiveram que ver com o caso.

Há menos de duas semanas, a Inspeção Geral de Finanças divulgou um relatório onde se levantava a hipótese de a TAP ter sido comprada com ‘o pêlo do mesmo cão’. Ou seja, com o dinheiro da própria empresa.

Como? Depois de comprar a TAP, David Neeleman fez uma proposta de troca dos Airbus que a companhia tinha encomendado por outros aparelhos mais pequenos – que, em sua opinião, eram mais adequados à estratégia futura da companhia aérea.

Ora – segundo o relatório da IGF – nessa alteração da encomenda poderiam estar contemplados os 200 e tal milhões de euros que Neeleman prometera injetar na TAP.

Dito de outro modo, a fatura que a TAP iria pagar à Airbus cobriria esse valor que deveria ser Neeleman a desembolsar.

Esta era apenas uma suposição.

Mas logo os media a apresentaram como uma certeza, garantindo que a venda da TAP fora um embuste, que Neeleman ficara com a empresa sem pagar um tostão, e que Pinto Luz e Maria Luís Albuquerque tinham de responder pelo crime.

Logo aqui a história me cheirou a esturro: se os principais responsáveis pela venda tinham sido o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o secretário de Estado Sérgio Monteiro, por que carga de água se falava de Maria Luís e de Pinto Luz?

Os objetivos políticos pareciam evidentes: estando Passos Coelho e Sérgio Monteiro fora de cena, quem interessava fragilizar eram aqueles dois – um por ser ministro e ela por ser candidata a comissária europeia.

Mas dando isto de barato, a história teria algum fundamento?
Lembro-me de falar com Passos Coelho sobre este assunto, numa conversa informal em que as suas explicações me pareceram convincentes.

No memorando da troika estava prevista a privatização da TAP.

Ora, no final da legislatura, em 2015, a empresa continuava sem conseguir ser vendida e a sua situação era desesperada: não tinha dinheiro para pagar salários e o Governo não podia injetar nela mais capital, em virtude da lei da concorrência da UE.

E assim, das duas, uma: ou o Governo conseguia arranjar um comprador ou a empresa falia.

Até que, in extremis, surgiu Neeleman – e o Governo respirou fundo.

Vendeu mal?

O problema é que não apareceu nenhum outro interessado, pelo que o negócio não seria assim tão favorável ao comprador…

É esta a história da TAP: a venda estava prevista, a empresa não tinha condições de sobrevivência, não apareceram outros interessados, o negócio foi o possível, feito em condições desesperadas.

Acontece que, por razões ideológicas, o Governo de António Costa reverteu a venda, supostamente por pressão do BE e do PCP, e pela mão do ministro Pedro Nuno Santos.

E sabemos o que aconteceu a seguir: a TAP tornou-se um enorme buraco, o Governo foi obrigado a enterrar nela milhares de milhões de euros, ficando à vista que a reversão fora um erro monumental.

Como poderia Pedro Nuno Santos justificar essa decisão, ainda mais depois de António Costa ter decidido voltar a privatizar a companhia?

 Não podia.

Ou melhor, só existia uma hipótese: dizer que a venda a Neeleman fora fraudulenta, pelo que tivera de ser revertida.

E foi para isto que este relatório serviu: para dar cobertura a Pedro Nuno Santos e livrá-lo de responsabilidades numa reversão que se mostrou ruinosa para o Estado português.

De resto, como comparar os 200 e tal milhões em que a TAP pode hipoteticamente ter ficado prejudicada na venda a Neeleman com os mais de 3 mil milhões de euros que custou a reversão?

Este é que foi o negócio desastroso que se procurou encobrir.
O outro foram peanuts.
Sobra aqui uma pequena dúvida: terá havido ou não irregularidades na troca da encomenda dos Airbus iniciais por outros mais pequenos, decidida por Neeleman?
Em tese, pode ter havido.
As compras de aviões envolvem muitas vezes chorudas luvas, e aqui pode não ter sido diferente.
Quem não se lembra do ‘escândalo Lockheed’?

 Mas, se houve dinheiro por fora, é mais natural isso ter acontecido na encomenda inicial e não na troca dos aparelhos.

Este alarido só teve um objetivo: lavar as mãos de Pedro Nuno Santos, o grande responsável pela hemorragia de dinheiros públicos com a anulação da venda da TAP.

E, de caminho, atirar lama para Maria Luís Albuquerque e Miguel Pinto Luz, que pouco tiveram que ver com o caso.

Mas a manobra era de tal modo evidente que o alarido poucos dias durou.

Embora os infratores prometam voltar à carga.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt