Um Santa Clara na noite escura

Este sábado pelas 20h30, Bruno Lage, O Indesejado, começa a sua via sacra no comando do Benfica.

Nada faz crer que a noite de hoje, no Estádio da Luz, seja de festa. Uma vitória, por gorda que seja, será apenas o cumprir da obrigação. Um resultado negativo, ou mesmo um triunfo curto, representará a velha pilhéria brasileira: «Este treinador cumpre a sua palavra. Prometeu uma equipa ofensiva e sinto-me ofendido». Bruno Lage bem pode bater no peito e declarar aos berros que não existe no universo ninguém tão benfiquista quanto ele. Ora, o problema é que isso não basta para fazer dele a pessoa mais qualificada para tomar conta de uma equipa que parece um fungagá-da-bicharada sem pés nem cabeça, mole, incompetente, sem chama e sem talento. Ouçam as vozes do passado recente, olhem para os fracassos sucessivos em que se viu embrulhado: quantos serão os adeptos capazes de se entusiasmarem com esta sucessão espúria de um alemão bisonho por um português tristonho perante a dolorosa realidade de um campeonato perdido à quarta jornada, tão grande é a superioridade do Sporting em relação ao seu rival que, vendo bem, nem sequer rival se pode considerar. Cabe ao jornalista responder a perguntas e não deixá-las ao critério do leitor. Tenho de jogar mão da minha mais profunda sinceridade: não consigo entender esta opção de Rui Costa. Como, portanto, responder aos que me questionam sobre ela? Valerá de algo ser um homem de Jorge Mendes posto ao comando de um conjunto de jogadores maioritariamente de Jorge Mendes? Se assim é, deprime. Soa absurdamente a uma obediência ao patronato que não se via no Benfica desde o tempo de José Veiga com o desastre que se seguiu. Tento não crer que seja essa a solução, sobretudo vinda de alguém por quem nutro uma amizade fraterna desde que o conheci pelos seus 16 anos de idade. Mas não consigo ir para além disso. E, exatamente por não me querer deitar a adivinhar, traço para esta prosa outro caminho, ainda que muito crítico.

Um mau início

Respeitemos, dentro do possível, esta opção de Rui Costa, tal como foi respeitável a renovação de contrato com o tal alemão que, depois de ter atirado foguetes e apanhado canas, já tinha pouco ou nenhum fogo de artifício para apresentar. De tal forma que, na hora de saída, deixou ficar na Luz um grupo de jogadores esvaziado de espírito de conquista. Mesmo na fase em que se lançou na cavalgada de ser campeão (desculpem lá mas ser campeão pelo Benfica tem tanto de inevitável como o afirmava o nosso querido Mário Wilson), Bruno Lage foi sempre uma personagem entupida. Tão entupida como agora se apresentou em funções com um discurso aborrecido e banal que provocou bocejos em todos aqueles que, não se deixando levar pela idiotice de pôr de um dia para o outro o Seixal em polvorosa, o ouviram tal qual foi proferido. Olhei para as imagens e vi um homem a subir para o cadafalso. Prometendo o óbvio sem explicar como iria conseguir chegar ao óbvio. Praticamente murmurando aquela deprimente banalidade – «Vamos jogar bem e ganhar» – sem que um brilhozinho nos olhos nos fizesse crer que tudo não passa de justificar que, tendo em conta com o que tem em mãos, pouco mais pode tentar do que garantir um segundo lugar, melhor dos prémios de consolação que estarão ao seu alcance.

Hoje, na Luz, o Santa Clara, que entra em campo com mais três pontos do que o Benfica, tem tudo para jogar com a tranquilidade de uma tarde de modorra nos Açores. Pelo contrário, este novo Benfica de Bruno Lage, se não chegar ao intervalo a ganhar confortavelmente vai voltar a cair no poço da desgraça. Convenhamos: por muito boa vontade que os adeptos encarnados possam ter, Lage não tem nenhuma margem de manobra. A última imagem que deixou sentado no banco das águias foi a de um derrotado sem ideias, sem espírito, sem força mental para alterar o que quer que fosse num conjunto que se afundou com o estrondo de um Titanic. Para usar uma comparação sem sair do contexto seria como se, no caso de ser necessário substituir Bruno Lage nos próximos meses, ir buscar Roger Schmidt para o seu lugar. Ora tubérculos!

Tenho de Lage a imagem de um homem educado, simples e sem complexos. Tenho de Lag

e a imagem de um treinador sem ideias concretas sobre um estilo de jogo, sem garra, sem laivos de imaginação. Se assim não é, cabe-lhe agora desmentir-me, e também cá estarei para dar os dois braços a torcer se, numa aposta de singelo contra dobrado, como nos livros do Texas Jack, contrariar a minha a ideia fixa de que o Benfica não será campeão nem que a vaca tussa, como gosta de dizer o povinho de Óis da Ribeira a Reguengos de Monsaraz. A partir de hoje poderei começar a ter de meter a viola no saco porque a minha convicção é de que Lage caiu no Benfica de paraquedas, seja porque nenhum treinador com prestígio aceitaria neste momento colocar-se ao comando de um barco à deriva, seja porque ele andava por aí aos caídos sem clube que lhe pegasse tal o rasto de falhanços que o perseguem de há quatro anos para cá. Vale-lhe talvez uma triste consolação: ninguém espera nada dele. A época está perdida, nem o próprio Senhor Misericordioso pode salvá-la. E o Senhor tem mais que fazer.