O Mar do Sul da China tem, ao longo do tempo, despertado a cobiça dos países que abrange. A China, uma das superpotências da nova ordem mundial multipolar, destaca-se não só pela posição de poder incomparável como também pela política externa agressiva que tem levado a cabo na região – sendo que as tensões com Taiwan são as que mais destaque merecem.
É precisamente a fricção no estreito de Taiwan, as violações do direito internacional e os interesses de Pequim e de Washington que colocam o Mar do Sul da China no mapa de conflitos mundiais atualmente em curso, ainda que com as suas peculiaridades.
As disputas territoriais pelo mar que se encontra entre o Índico e o Pacífico não se resumem a nacionalismos, no caso da China, nem à obrigação do cumprimento de alianças, no que aos Estados Unidos – aliados de Taiwan e das Filipinas – diz respeito. O Mar do Sul da China abarca uma quantidade estimada de 11 mil milhões de barris de petróleo e 19 biliões de pés cúbicos de gás natural, números aos quais acrescem a circulação de cerca de 40% de todo o gás natural liquefeito e ainda um volume comercial anual estimado em cerca de três biliões de dólares – um terço de todo o comércio internacional –, aguçando assim as pretensões de todos os países que por ele são banhados. Do Brunei à Malásia, passando pelas Filipinas, Indonésia, Taiwan até ao Vietname, já todos reivindicaram a sua quota-parte na exploração das águas valiosas.
As nova linhas e “uma só China”
“Uma só China” tem sido a máxima pela qual Pequim tem conduzido a política externa na região, englobando Taiwan e vários territórios, como as Ilhas Spratly, do Mar do Sul da China. Tais ambições territoriais estão estabelecidas no mapa chinês – o famoso maoa das nove linhas – desde 1952, quando o líder Mao-Tsé Tung abdicou do Golfo de Tonken que separa a China e o Vietname. Mas os Governos dos seis países mencionados reclamam também parcelas de território na região, e o Tribunal Permanente de Arbitragem, em Haia, já declarou que as ambições chinesas carecem de “base legal”. Tais ambições colocam os chineses, mais uma vez, em rota de colisão com os americanos, um dos principais defensores da liberdade dos mares.
O embate sino-americano
Os chineses, que ao longo da sua história milenar se assumiram sempre como uma potência terrestre, começaram a entender que o atraso naval em relação ao seu principal rival é algo que tem de ser revertido, começando pelo domínio do Mar do Sul da China – uma questão que naturalmente inquieta Washington.
Num relatório preparado para os congressistas e membros dos devidos comités, intitulado A Competição Estratégica EUA-China nos Mares do Sul e Leste da China: Antecedentes e Questões e disponível no Serviço de Investigação do Congresso, está bem espelhada a preocupação americana: “As ações da China no Mar do Sul da China – incluindo a extensiva construção de ilhas e de bases em locais que ocupa nas Ilhas Spratley, bem como as ações das suas forças marítimas para fazer valer as reivindicações da China contra reivindicações concorrentes por parte dos vizinhos regionais tais como as Filipinas e o Vietname – aumentaram as preocupações dos observadores norte-americanos de que a China está a ganhar o controlo efetivo do Mar do Sul da China, uma área de importância estratégica, política e económica para os Estados Unidos e seus aliados e parceiros”.
As operações de militarização referidas no documento começaram ainda no final da presidência de Barack Obama, e verificou-se um deteriorar significativo das relações sino-americanas com a chegada de Donald Trump, principalmente no âmbito da guerra comercial, e prometem voltar a azedar em caso de nova eleição do ex-Presidente republicano em novembro.
Em julho de 2016, o então líder da marinha chinesa, Wu Shengli, garantiu ao chefe de operações navais dos EUA que o plano de criar ilhas artificiais militarizadas não seria revertido: “A China nunca desistirá a meio caminho”, afirmou, citado pela imprensa estatal chinesa.
O documento apresentado ao Congresso mencionado anteriormente oferece ainda informações sobre a a linha de ação de Donald Trump e de Joe Biden quanto ao problema. São, por sinal, semelhantes. Entre as catorze medidas adotadas pela administração Trump, destacam-se a “imposição de sanções a empresas chinesas e a oficiais ligados às atividades da China no Mar do Sul da China”, a “condução de presença naval (…)”, o “reforço de presença militar dos EUA e operações na região do Indo-Pacífico no geral” e a “manutenção e fortalecimento de laços diplomáticos e de cooperação em matérias de segurança com (…) os países da região do Mar do Sul da China”. Biden manteve as linhas programáticas gerais e, em 2023, chegou a um acordo com as Filipinas para a expansão do já existente Acordo de Cooperação Reforçada no Domínio da Defesa, dando também início às patrulhas conjuntas no Mar.
Já em janeiro deste ano, tal como noticiado pela Bloomberg, as Filipinas e os Estados Unidos planearam realizar o que poderia “ser o seu maior exercício militar em abril, numa demonstração de força da sua aliança no meio de tensões acrescidas no Mar do Sul da China”. O plano, que contou ainda com o apoio do Japão e da Austrália, foi levado a cabo.
Nos dias 14 e 15 de setembro, os líderes militares dos EUA e da China reuniram na déciam oitava edição das conversas de coordenação da política de Defesa – um mecanismo bilateral importante para o degelo diplomático, mas com resultados pífios no que à resolução do conflito de interesses diz respeito. Antes da reunião, um oficial americano tinha já reforçado que “os Estados Unidos farão o que for necessário para apoiar as Filipinas. (…) Estamos a acompanhar de muito perto a evolução da situação”.
É de relembrar que em março deste ano, o Governo filipino acusou a China de “atacar e bloquear” um dos navios que seguia em missão militar de rotina, chegando até a convocar o chefe de missão diplomática da China em Manila para um exercício de repreensão. “A interferência chinesa nas atividades legais e rotineiras das Filipinas na sua própria Zona Económica Exclusiva é inaceitável”, comentou, à data, o Ministro dos Negócios Estrangeiros das Filipinas, Enrique Manalo.
O confronto legal entre os países vizinhos acabou por ser favorável aos filipinos, algo que forçou Pequim a dar início a conversações com vista a criar um código de conduta de forma a apaziguar as crescentes tensões diplomáticas.
Ainda assim, a região continua a ser um dos palcos de tensão entre as superpotências a nível mundial e o entendimento, ainda que parcial e pouco sólido, mas que permita aliviar tensões, é crucial para o equilíbrio de um cenário internacional que assume uma volatilidade sem precedentes na história recente.