Hoje, uma pequena excursão pela má-fé do jornalismo, do comentariado e dos políticos do sistema em Portugal. Comecemos pela rábula da ‘extrema-direita’. Por cá (como, aliás, pelo resto da Europa) assistimos a um curioso fenómeno na tradicional etiquetagem dos partidos. De facto, do vocabulário jornalístico e comentarista desapareceram a extrema-esquerda e a direita. Vejamos: PCP e BE, partidos claramente de inspiração totalitária, leninista um, trotskysta o outro e aos quais, por essa razão, caberia serem situados na extrema-esquerda são higienizados e colocados na esquerda democrática. Livre e PAN sobrevoam algures um vago espaço entre a extrema-esquerda e o centro-esquerda. Tem dias. Temos, depois, o PSD e a IL que, segundo os seus dirigentes são de centro-esquerda, mas, segundo jornalistas e comentadores são de centro-direita. Seria salutar que uns e outros se entendessem sobre a topografia política do PSD. Coisa difícil porque, ali, os militantes estão à direita dos dirigentes e os eleitores à direita dos militantes. Temos, depois, ora no centro, ora no centro-direita o CDS. Daí, passamos diretamente para a extrema-direita onde todos tentam encaixar, à força, o Chega. Pouco importa que o programa e a práxis desse partido, sejam, claramente, conservadores nas questões de sociedade, liberais na área económica e confessadamente defensores de uma democracia liberal. Who cares? Importa a má-fé, não os factos. Como partido conservador e liberal que é, o Chega é um partido de direita, não de centro-direita ou de extrema-direita.
Passemos agora ao Chega como partido de protesto, segundo os intelectuais da política fast food, alguns deles autointitulando-se de ‘cientistas políticos’. Partido de protesto, sem ‘quadros’ ‘sem projeto’ e ‘sem ideias’. Mas não, não é um partido de protesto, o Chega. É, apenas, um partido que hoje defende os sólidos valores que em tempos CDS e PSD defenderam, mas que foram paulatinamente abandonando para abraçar outros valores mais modernaços, mais cool, mas, sobretudo, mais bem vistos no quartel-general do PPE de Bruxelas. Quanto aos ‘quadros’, às ‘ideias’ e aos ‘projetos’ basta olhar para o estado de coma em que o país se encontra para percebermos o que valem os quadros, as ideias e os projetos que lideraram e orientaram os partidos do sistema que nos trouxeram até aqui. O Chega tem quadros, ideias e projetos mas mais valia não os ter, a ter os que os partidos do sistema albergaram com os resultados que estão à vista de todos.
Foi tudo mau, sempre mau, nos partidos do sistema que nos trouxeram até onde hoje estamos? Não, não foi. Tivemos Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, mortos porque tentaram dar o rumo certo a um país à deriva. Como tivemos Pedro Passos Coelho, penso na sua coragem, abnegação, sentido de Estado e sentido do dever, mas, também, na forma como foi traído pela ala esquerda do seu partido. Ou Manuel Monteiro, ele também traído. E alguns mais, vários deles com quem me cruzo todos os dias no parlamento, mas que nunca tiveram a força, ou o engenho, ou a sorte para vencer os rentistas, os topa-a-tudo, os apparatchikes dos seus partidos. Porque são estes e são muitos e entre si bem organizados os que teceram a teia que destruiu, por dentro, os partidos do sistema depois de terem, com esses partidos, arruinado o país. E a todos nós.
Vice-presidente da Assembleia da República