Ed Gein. Até os canalhas universais têm infância

Um dos mais abjetos canalhas de todos os tempos serviu de inspiração para criminosos famosos do cinema como Norman Bates (de Psycho) ou Hannibal Lecter. Tinha um fascínio irresistível por desmembrar corpos e usar as peles para construir as suas «obras de arte».

Até os maiores canalhas universais têm nomes de baptismo. E Edward Theodore Gein foi, sem rebuço, um dos maiores canalhas registado pela história dos homens, se é que se pode chamar homem a um monstro assassino por prazer e convicção. O seu cérebro macabro foi posto às escâncaras quando, em 1957, a polícia divulgou que Ed era um violador de sepulturas, retirando delas os corpos ainda não completamente comidos pelos bichos de forma a aproveitar-lhes a pele e os ossos para alimentar a sua fantasia de fazer obras de arte a partir deles. Ah! Lembram-se de Psycho, de Alfred Hitchcock e de Anthony Perkins no papel de Norman Bates com o cadáver da mamã na casa no alto da colina? Claro que lembram! É absolutamente inesquecível. E de HannibalLecter, de Thomas Harris, na maravilhosamente arrepiante interpretação de Anthony Hopkins? Pois. Não desaparece da memória, pois não? E, ambas as personagens tiveram muito de Ed Gein. Ou melhor: tiveram uma enorme influência de Ed Gein.

O Carniceiro de Plainfield, também conhecido na imprensa sensacionalista por Monstro de Plainfield, teve infância como qualquer um de nós. Nasceu em La Crosse, no Wisconsin, nas margens do Mississípi. Segundo filho de um casal que não sabia que iria trazer ao mundo tamanha podridão, George Philip Gein e Augusta Wilhelmine Gein, brotou do ventre materno a 27 de Agosto de 1906. O Diabo deve ter esfregado as mãos de contente, se é que existe, tenho muitas dúvidas em relação a isso tal como tenho dúvidas em relação a Deus, mas se este último está por aí a fazer os homens à sua imagem e semelhança só pode ser mesmo uma invenção de Belzebu, que me perdoem os católicos-apostólicos-romanos. Não temo ser excomungado nem ir parar aos quintos do Inferno. Se o for, é certo que irei encontrar por lá essa besta de cento e vinte e quatro patas do Ed Gein. Não é certo, é mais que certo, nenhum outro sítio seria capaz de o receber sem expulsá-lo cinco minutos depois.   

Bem pôde a infeliz Augusta, uma convicta luterana, pregar aos filhos, Henry e Ed, os benefícios de seguirem por um caminho de sacrifícios e sem pecados. Nenhum deles prestava para nada e fizeram ouvidos moucos ao que saía da boca materna. De certa forma preferiram seguir os passos do pai, um bêbado compulsivo, incapaz de se manter duas semanas no mesmo emprego e obrigado a ser pau para toda a obra, não para alimentar a família, pois estava-se nas tintas para ela, mas para alimentar os vícios do álcool, do jogo e das prostitutas.  Serve de desculpa para a maldade intrínseca de Gein? Não, não serve. Edward escolheu o carreiro por onde seguir, tanto por instinto como por impulso, e fica muito bem na lista dos grandes criminosos de todos os tempos.

A Caixa de Pandora

Já espigadote, Ed Gein vendeu a única propriedade do pai, uma mercearia em Lacrosse, que estava degradantemente ao abandono, e com o dinheiro comprou o antro no qual se instalou para o resto da existência: uma quintarola de 63 hectares situada em Plainfield. A morte de Henry, num incêndio no milharal que ocupava a maior parte da fazenda, em 1944, mudou a personalidade de Ed que sempre fora meio esquizoide, referindo os seus antigos colegas e professores que era dado a ataques de riso histéricos sem mais nem porquê. A questão em redor do cadáver de Henry, que foi encontrado apenas chamuscado, deixou as autoridades com dúvidas em relação ao que teria na verdade acontecido. Porque Ed  apresentava escoriações na cabeça e, depois da autópsia feita, revelou-se que Henry não fora vítima de inalação de fumo nem de queimaduras e sim de um ataque cardíaco. Teria sido um fratricídio? Na altura, a polícia descartou a possibilidade. Mas, mais tarde, quando as bestialidades de Ed começaram a ser tornadas públicas, a desconfiança voltou a surgir e a hipótese ganhou força.

Demos, agora, umas passadas largas no tempo. Estamos, por assim dizer, no dia 16 de Novembro de 1957. Bernice Worden, de 58 anos, dona de um armazém, tinha sido dada como desaparecida. Por um daqueles acasos em que a vida é fértil, o xerife de Plainfield era Frank, seu filho, que ao entrar na loja da mãe encontrou a caixa registadora vazia e uma poça de sangue no chão. Não perdeu tempo em lançar-se na investigação. Estava prestes a encontrar-se cara a cara com oSenhor das Moscas.

Gein fora o último dos clientes a entrar no armazém de Bernice na noite anterior e, como tal, muito provavelmente a última pessoa a vê-la com vida. E, dessa forma, um interessantíssimo elemento para a investigação. O mundo desabou no dia seguinte em Plainfield. Um dos ajudantes do xerife encontrou, na quinta de Gein, o corpo da senhora Worden decapitado. Num barracão, tinha sido amarrado de pernas para o ar e vestido com peles de veado. Várias mutilações foram-lhe provocadas post mortem. Com uma fúria desusada, Frank mandou que toda a quinta fosse vasculhada de fio a pavio. Foi como abrir a Caixa de Pandora. Nas horas que se seguiram a lista encheu-se de descobertas macabras. Um dos jornais locais trouxe-a a público secamente: vários fragmentos de corpos humanos; um cesto do lixo feito de pele humana; várias cadeiras forradas a pele humana; crânios a servirem de enfeites nos ferros que seguravam as camas; vários crânios femininos escalpados; caixas feitas de pele humana; um espartilho cosido com a pele de uma mulher; meias compridas feitas de peles de mulheres; a cara de Mary Hogan, que fora dada como desaparecida, forrando um balde; o crânio da mesma Mary enfiado num saco; a cabeça intacta de Bernice Worden; o coração de Bernice num saco de plástico; uma vulva dentro de uma caixa de sapatos; um vestido, provavelmente feito com a pele de uma jovem, e mais duas vulvas dentro de gavetas; um cinto feito de mamilos; um candeeiro construído com a cara de uma mulher; vários dedos de mulheres… A lista era interminável e tão nojenta que muitos dos guardas não conseguiram conter o vómito.

O mundo caiu sobre esse canalha asqueroso chamado Ed Gein. As provas, inequívocas, atiraram-no para um julgamento sem jurados no qual o juiz Robert H. Gollmar não revelou um pingo de piedade por alguém que perdera o direito de ser tratado como um ser humano. Muitos crimes que tinham ficado por resolver nos anos anteriores na região acabaram por ser atribuídos a Edward, mas a providência salvou-o do corredor da morte quando, no ano seguinte, em sede de recurso, acabou por ser inocentado por insanidade. Internado no Central State Hospital for the Criminally Insane não voltaria a sair de lá com vida. O Monstro de Plainfield nunca mostrou consciência dos seus atos abjetos. Um cancro nos pulmões, que o matou a 26 de Julho de 1984, foi castigo muito pequeno para um canalha tão repelente. Mas são assim, ínvios, os caminhos do Senhor…