Não há dúvidas de que o Orçamento do Estado é um instrumento político da maior relevância. No entanto, aquilo que à volta dele se tem dito e tem feito faz-nos parecer estarmos perante um país que funciona ao contrário.
Senão, vejamos.
A 11 de junho deste ano, já era notícia: PS dividido sobre votação do Orçamento do Estado. Depois, a 16 de julho, era a vez do Bloco de Esquerda, que anunciava o voto contra o Orçamento (não apresentado) da AD com base no facto de os dirigentes bloquistas terem chegado à vidente conclusão de que o documento «cria desigualdades». Também esta semana ficamos a saber: Ventura anunciou que vota contra o OE. E, tudo isto, com um Orçamento que, mais do que não ser conhecido, nem sequer foi negociado.
Talvez a normalidade com que tudo isto foi dito e reproduzido não tenha chamado a atenção da generalidade das pessoas. Talvez, até, isto venha a acontecer de forma sub-reptícia há muitos anos. Mas, convenhamos: numa análise racional, pura, sem subterfúgios que folguem o intelecto, não podemos achar isto normal.
Como é que é possível que partidos com responsabilidades sérias na definição do rumo do país – mesmo que na oposição – possam, de forma tão simples, tão singela, declarar de forma tão convicta o chumbo a algo que não conhecem?
Não sabemos. E, tudo isto, num contexto particularmente distinto em que se sabe que quem governa está disposto a esforços redobrados no processo negocial e de elaboração do documento. Prova disto é que, como bem lembrou o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, não há memória de um governo que tenha iniciado tão cedo um processo negocial acerca do Orçamento de Estado, prestando tanta informação sobre o mesmo.
Sabemos, apenas, que, por exemplo, o Chega nunca anunciou um voto contra um orçamento de estado, antes de o conhecer, no tempo dos governos PS de António Costa. Sim: o Chega, o partido que passa a vida a acusar o PSD de correr para os braços do PS, conseguiu fazer ao governo da AD aquilo que nunca fez aos socialistas: negar, sequer, a possibilidade de conhecer o documento para, depois, tomar a decisão acerca do sentido de voto.
O PS, por seu lado, parece também querer algo cuja racionalidade sai viciada. Apesar da disponibilidade para negociar – o que demonstra um mínimo do sentido de estado e da responsabilidade que, manifestamente, falta a outros partidos com assento na Assembleia da República –, a verdade é que as declarações proferidas até agora por muitos socialistas levam a crer que aquilo que o PS parece pretender é colocar a AD a governar com o programa socialista. Sim: o PS não parece querer governar, depois de vencer eleições, com um programa próprio – como seria normal. O PS parece, ao invés, querer que o seu programa seja o caminho, mas com o PSD á frente do governo. Ora, tudo isto é, no mínimo, perverso. Sobretudo, se nos lembrarmos que ainda há poucos meses a AD viu o seu programa de governo validado na Assembleia da República.
Por tudo isto, infelizmente, esta postura vem reforçar uma ‘ideia sobre uma ideia’: a ideia que os cidadãos têm de que os partidos vivem mais preocupados com ganhos e resultados eleitorais mais ou menos imediatos, per se, do que com procurarem soluções para o futuro do país.
Cabe, assim e mais uma vez, a Luís Montenegro e ao Governo da AD fazerem o papel de adultos na sala. No final, os portugueses saberão bem medir e qualificar o papel desempenhado por cada um dos atores