Quando a nova Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tomou posse, passando a ser presidida por Paulo Sousa, foi surpreendida com várias evidências que constavam das contas e da gestão herdadas dos ex-provedores Ana Jorge e Edmundo Martinho. No défice das contas da SCML tinham particular relevância os resultados negativos da gestão dos hospitais. Razão pela qual a nova administração estabeleceu como prioridade encontrar um destino para o Hospital da Cruz Vermelha, a Clínica Oriental de Chelas e uma participação de 3% da CUF Belém que foi descoberta com surpresa.
O facto de a Clínica de Chelas estar na posse da SMCL por via de uma doação modal (doação que tem como condicionante manter o fim a que se destina), levantou uma questão jurídica intransponível: a Santa Casa não podia alienar este património. No início do mandato, em maio deste ano, foi pedido aos serviços jurídicos da instituição que analisassem a possibilidade de reversão da doação para que se pudesse libertar de mais um encargo. A resposta foi clara no sentido de que seria juridicamente impossível reverter a doação.
Referindo-se à notícia avançada pelo Nascer do SOL na semana passada sobre a possibilidade de venda da Clínica de Chelas, o novo provedor fez saber que a alienação é «algo que não se encontra previsto». Acrescentado ainda que está «em curso um plano de investimento e de regularização societária desta unidade». No entanto esta unidade hospitalar tem vindo a dar prejuízo desde que entrou no universo da SCML. Segundo o relatório de contas e atividade de 2022, «em 2020 foi autorizada a aceitação da proposta da doação modal» e «a SMCL passou a deter 95% do capital social da COC».
Nas contas referentes ao primeiro ano no universo da SCML, esta clínica apresentou logo resultados negativos, apesar de pouco significativos, na ordem dos 2.744 euros. Tendo como rendimentos um milhão e 145 mil euros e de gastos 1 milhão 147 mil. No entanto, no ano seguinte, 2022, a situação agravou-se e o resultado líquido passou a pouco mais de 100 mil euros negativos.
Hospital da Cruz Vermelha
Algumas das principais preocupações identificadas pela Mesa da SCML em junho de 2023 foram as «prováveis» ruturas financeiras herdades das anteriores administrações. Só em rutura de tesouraria, estimou-se um défice de 25 milhões de euros no final de 2023 e uma necessidade de reforço de 65 milhões para cumprir «compromissos inadiáveis», nomeadamente com despesas com o pessoal. Outra das preocupações foi a identificação de previsões excessivas e irrealistas nos orçamentos de receitas, as vendas de imóveis, o que contribuiu para agravar os défices de tesouraria dos anos anteriores. Tão ou mais graves foram as garantias prestadas pela anterior Mesa que incluía os passivos bancários do Hospital da Cruz Vermelha e da Santa Casa Global, de cerca de 30 milhões euros.
Outros pontos críticos detetados pela recente Mesa nomeada foram a constatação das forte dependência da receita dos jogos, que representa mais de 80% das receitas da SCML, e as avultadas despesas com pessoal. Em 2022, o peso dos custos com pessoal representavam 65% da despesa. «Estrutura de grande dimensão, excessivos níveis hierárquicos e inúmeros cargos de chefia» foram os pontos críticos comunicados à tutela. A somar a tudo isto, os negócios internacionais foram classificados como tendo forte impacto negativo na gestão, na reputação e em temos financeiros.
Quanto às participações na área da saúde, o cenário era igualmente desolador: «Não estão sustentadas em avaliações e estratégias racionais, claras e sustentáveis». Essa é uma das razões que levam à decisão da venda do Hospital da Cruz Vermelha e da alienação da participação de 3% na CUF Belém.
Segundo o Relatório e Contas, em 2022, esta unidade hospitalar apresentou um resultado negativo de 5 milhões 751 mil euros. E no ano anterior, o prejuízo foi de 6 milhões 864 mil euros.
O Plano de Reestruturação da Santa Casa 2025-2027 foi entregue à tutela. Além do programa de reformas de pré-reformas que foi iniciado na passada semana, a alienação do Hospital da Cruz Vermelha, assim como da participação na CUF Belém, estão em marcha. Para passar tudo isto a pente fino, tomou posse esta quarta-feira a comissão parlamentar de inquérito à SCML que vai investigar as decisões de gestão estratégica e financeira da instituição nos últimos 13 anos, desde o tempo de Santana Lopes. Segundo apurou o Nascer do SOL, será o próprio provedor quem vai acompanhar os trabalhos da comissão de inquérito.