Esclareçamo-nos: não tenho uma visão securitária da vida. Não acho que exista em Portugal um problema de segurança pública, nem me sinto ameaçado quando passeio em Lisboa. Sei que o nosso país pertence aos top-10 dos mais seguros do mundo, sendo mesmo o terceiro se excluirmos aqueles que são ilhas ou micro-estados. Sei (será causa ou efeito?) que Portugal tem uma taxa de encarceramento relativamente elevada – no meio da tabela mundial, mas a sétima maior da União Europeia – um nível elevado de penas e que, diz-se, condições prisionais menos que exemplares. Defendo que o aprisionamento deve ser usado com parcimónia e em condições dignas pois a privação da liberdade não significa suspensão de direitos.
Serve este longo introito para explicar que a fuga de cinco reclusos perigosos da cadeia de Vale de Judeus interessa-me não por razões de receio ou alarme social. Integro-a, antes, numa longa sucessão de falhanços de Estado (com maiúscula e distinto desde ou daquele governo) em cumprir as suas funções básicas de soberania – aquelas que lhe são essenciais e que o justificam. Assim, de repente e sem grande esforço de recensão, ocorrem-me, para além desta fuga, o roubo dos paióis de Tancos em 2022, a falência das infraestruturas de comunicação do SIRESP no incêndio de Pedrógão Grande em 2017, a morosidade da justiça comum e as trapalhadas (e as prescrições) em processos judiciais de grande relevância pública (dos quais o de José Sócrates é o mais egrégio), a falta de meios aéreos de combate a incêndios ou a incapacidade de dotar a população de médico de família. Alguns destes casos refletem um miserabilismo atroz: a ridícula segurança em Tancos (basicamente uma rede e cadeado), a o não ser possível eletrificar a cerca da prisão porque o quadro elétrico não aguentava a carga, o não ter sido possível reconstruir quatro torres de vigia numa prisão de alta segurança porque não havia 250 mil euros. Outros refletem falta de visão e incapacidade de planeamento, organização e de gestão. Amadorismo e pelintrice.
O Estado em Portugal quer dar passos maiores do que as pernas. Quer assegurar as funções de soberania em áreas como a justiça, defesa, representação externa, segurança e administração do território; quer salvar empresas, dos bancos à TAP passando pela EFACEC; quer prover a todos serviços de saúde de qualidade, prontos e gratuitos; quer garantir pensões de reforma; quer desenvolver e executar estratégias de competitividade; quer expandir e modernizar as infraestruturas ferroviárias e dotar o país de alta velocidade; quer distribuir subsídios e financiamentos europeus; quer combater a seca no sul do país; quer colocar professores em todas as escolas e obstetras em todos os hospitais; quer promover a investigação cientifica a inovação e o empreendedorismo; quer proteger o ambiente; etc., etc., etc. Quer, quer, quer. É muito e sempre mais e mais! São tremendas as exigências de informação, estruturas e capacidade de decisão. E dinheiro que nunca chega, como de uma manta curta se tratasse e quanto mais se puxa mais se esgaça.
Não sou um radical do estado mínimo. Pelo contrário: defendo um estado forte e que funcione bem. Ou seja, que antes de tudo o mais faça com eficácia aquilo que só ele pode fazer – como a provisão de bens coletivos e o assegurar de uma real igualdade de oportunidades – e, também, tudo aquilo que, mesmo extravasando as funções clássicas, se proponha assumir. Faça o que fizer faça-o bem. Mas fazer bem é muitas vezes incompatível com fazer tudo.
Professor universitário