Dois problemas, duas soluções

Para ambas as situações se diz que não há solução! Não há mesmo? Ou não se quer encontrar uma solução?

O mundo depara-se atualmente com duas graves crises, duas terríveis guerras, na Ucrânia e em Gaza. As imagens, os relatos, são de tal forma horríveis que o nosso espírito como que as ‘apaga’, pois a dose de sofrimento que podemos suportar é limitada – o que também é negativo, pois nos habituamos ao mal. E para ambas as situações se diz que não há solução! Não há mesmo? Ou não se quer encontrar uma solução?

Façamos um simples exercício: deixemos por instantes de lado o que diariamente ouvimos ou lemos nos media e pensemos como homens livres e dotados de inteligência: neste ano e meio de guerra que ganhou a Ucrânia? Dezenas de milhares de mães que choraram, de filhos sem pai, e de noivas que ficaram por casar… Casas, fábricas e infraestruturas destruídas. E uma dependência cada vez maior dos financiadores da guerra, pois não há ‘almoços grátis’.

E que ganhou a Rússia? Dezenas de milhares de mães que choraram, de filhos sem pai, e de noivas que ficaram por casar… Casas, fábricas e infraestruturas destruídas. E ‘libertaram’ uns poucos quilómetros quadrados, onde existiam aldeias ou vilas agora completamente destruídas e sem população. E uma dependência (anuência) cada vez maior de regimes onde a liberdade é quase nula como o Irão, o Afeganistão ou a Coreia do Norte.

E que ganhou o Mundo? Investimentos desviados de áreas fundamentais como a educação e a saúde, e uma maior divisão, em que uma pesada nova ‘cortina de ferro’ separa populações e continentes, anulando acordos indispensáveis para a manutenção do Planeta (nomeadamente acordos de pesca, e acordos sobre armamento), e multiplicando guerras civis, pois cada parte quer arrebanhar para o seu lado um maior número de países. Recorde-se a situação no período final da anterior guerra fria, com as guerras do Vietname, Afeganistão, Angola, Moçambique…

Entretanto, uma coisa a Ucrânia ganhou: o direito a afirmar-se como país, e não uma simples província russa. Mas… quais as suas fronteiras? Qual a Ucrânia ucraniana? Antes da atual guerra, existiam nesse país 11 partidos políticos russófilos (!) (como se sabe, atualmente, todos esses partidos estão proibidos). A situação da Ucrânia, país com 30 anos, não é assim comparável à de Portugal, que desde São Mamede, a conquista de Lisboa e a batalha de Aljubarrota se afirmou como Nação, e deu novos mundos ao Mundo. Note-se, a este propósito, que no primeiro ano de guerra a Rússia avançou rapidamente nas regiões onde a população russa era mais abundante (o que indicia uma certa ‘colaboração’ com os soldados russos nessas regiões, sendo o caso mais flagrante o da Crimeia, conquistada num dia e sem luta), mas ‘empancou’ quando chegou às zonas onde a língua russa não era falada (Bakhmut, uma pequena cidade, levou 10 meses a ser conquistada, e custou aos russos a morte de mais de 20 mil homens).

Assim, pode imaginar-se uma solução: esqueça-se o dogma da inviolabilidade das fronteiras – dogma muito relativo, pois na Europa Oriental desde o fim da 2.ª Guerra Mundial até à queda do Império Soviético numerosas fronteiras foram redesenhadas – e reforcem-se os princípios de evitar os sofrimentos e respeitar a vontade das populações.

Para começar, a Rússia reconheceria o direito da Ucrânia e existir como país, abandonando a tese de que se trata de uma simples província russa; haveria um imediato cessar-fogo, ficando a Rússia e a Ucrânia onde os seus exércitos os levaram, sendo as conquistas ucranianas em solo russo (Kursk) ‘trocadas’ pelas conquistas russa em Kharkiv; acabariam as sanções e a apreensão de propriedades russas no Ocidente, e vice-versa; a Rússia passaria a respeitar de novo os direitos de autor; seriam amnistiadas as sanções por crimes de guerra (exceto as que cada parte quisesse levantar contra os seus próprios soldados); ambas as nações trocariam todos os prisioneiros; seria permitido aos cidadãos ucranianos atravessar livremente as novas fronteiras, num ou noutro sentido, para se poderem fixar onde desejassem; criar-se-ia um organismo na dependência das Nações Unidas (que ambas as nações deveriam reconhecer) para estudar caso a caso a situação de cada criança ‘recolhida’, e a entregar à sua família original – evidentemente se ela existir e a quiser receber. E que cada país sarasse como pudesse as suas feridas.

O caso de Israel e da Palestina é de mais complexa resolução, pois os ódios de parte a parte são mais fundos e mais antigos. Mas existindo dois povos que claramente não se dão, há que haver dois Estados que os representem e defendam. Concretamente, há que criar/reconhecer o Estado da Palestina, pois o de Israel já existe (e necessita de existir). Um Estado da Palestina – e não um pseudo-Estado, tolerado e tutelado. Um Estado com direito a controlar as suas fronteiras, cobrar impostos, ter o seu próprio Exército e o seu próprio governo, sem interferência externa. Um Estado que viva por si, e não por ‘misericórdia’ das Nações Unidas, ou das nações que para ele queiram contribuir.

A situação atual, que se tem vindo a arrastar desde a fundação do Estado de Israel (a qual teve lugar em 1948, portanto já desde há 76 anos), de manter as populações palestinianas deslocadas em campos de refugiados, vivendo às sopas das Nações Unidas, é atentatória da dignidade humana. Os refugiados são assim mantidos para conservar viva a ideia de que a sua situação é provisória, que mais cedo ou mais tarde hão de vir a recuperar o seu Estado ‘do rio (Jordão) até ao mar (Mediterrânico)’, o que é evidentemente uma ilusão; mas toda essa população, vivendo nas condições em que vive (e referimo-nos à situação antes da guerra), sem ocupação, não pode deixar de alimentar rancores, ilusões, e ideias de vingança, que triste e desgraçadamente vieram a lume nos ataques de 7 de outubro.

Recorde-se aqui que, em virtude da situação criada pela descolonização apressada das colónias portugueses de África, em 1974-75-76, vieram para a Metrópole cerca de 500 mil refugiados (os ‘retornados’), que numa primeira fase foram tratados como refugiados – alimentados e alojados às custas do Governo –, mas em poucos anos (exceto quanto a traumas e saudades, o que é compreensíveis) se integraram plenamente na Nação. Não ficaram 50 anos mantidos em campos de refugiados com a mirífica e ilusória ideia de que a sua situação era provisória, e que um dia regressariam a África nas condições de que desfrutavam.

Por outro lado, a situação atual em que Israel controla as fronteiras dos Territórios atribuídos no papel a um futuro Estado Palestiniano, bem como a cobrança de impostos nesse territórios (impostos que depois entrega à Autoridade Palestiniana), o fornecimento de água e eletricidade, e a afirmação por Israel de que o governo desses Territórios só pode ser feito por organizações ou partidos que lhe sejam favoráveis, traduz uma mentalidade claramente colonialista. Com a agravante de que a Palestina (Israel, Líbano, Iraque) não é uma região no ‘estado da pedra’, mas um dos focos da civilização mundial.

Assim, tudo o que Israel tem a fazer é retirar-se dos territórios ocupados e conformar-se que tem um mau vizinho… contra o qual se tem de precaver. E, obviamente, Israel e o Hamas têm que libertar todos os prisioneiros ou reféns em seu poder.

Restam, entretanto, quatro problemas: Como arranjar empregos para que os palestinianos dispensem as ‘sopas’ das Nações Unidas ? Como resolver o problema dos Colonatos Israelitas na Cisjordânia ? Como dar continuidade a um ‘Estado’ dividido ente a Faixa de Gaza e a Cisjordânia ? E, last but not least, qual o Estatuto de Jerusalém?

À primeira questão: canalizando os apoios das Nações Unidas à Palestina para a criação de unidades de produção (fábricas, ateliers, quintas); e não seria despropositado pagar (em projetos e não em dinheiro) parte desse fardo, pois de facto foi Israel que se ‘intrometeu’ (com ajuda e acordo das principais potências, é certo) num Território em que existiam populações.

À segunda questão (a de mais difícil resolução): concentrando esses colonatos, ou parte deles, na zona junto à fronteira atual de Israel, que veria assim a sua área aumentar ligeiramente, e abandonando os restantes. O futuro Estado da Palestina teria assim de dar ‘land for peace’ (como já Israel havia feito em 1978, devolvendo o a Península do Sinai ao Egito em troca de um Tratado de Paz e do reconhecimento por parte desse país do Estado de Israel).

À terceira questão (a mais fácil de resolver): construir-se-ia uma autoestrada ligando os dois territórios, que passaria, ao menos em parte, em viaduto ou túnel, de forma a não prejudicar a continuidade do Estado de Israel.

E finalmente: Qual o estatuto de Jerusalém? A solução acima proposta para dar continuidade a um Estado constituído por duas unidades separadas geograficamente poderia também ser usada para, mantendo a cidade como capital de Israel, criar nela um pequeno enclave – nomeadamente englobando a mesquita de Al-Aksa, e eventualmente mais dois ou 3 quarteirões para atividades civis – que seria parte do futuro Estado Palestiniano. Enclave esse que deveria poder viver autónoma e independentemente do Estado de Israel, pelo que visitantes e trabalhadores a ele acederiam também por túnel; e por esse túnel seria fornecida a água, eletricidade, alimentos, e seriam evacuados os lixos.