É um assunto que tão depressa não será esquecido. A 7 de setembro, ocorreu uma fuga significativa na prisão de Vale de Judeus, em Alcoentre. Nesse dia, cinco presos conseguiram escapar da prisão utilizando uma escada externa que foi lançada para dentro da área da prisão. Os reclusos escalaram um muro de seis metros para sair do complexo. Destes, quatro são considerados altamente perigosos e tinham medidas de segurança especiais, o que exigia que estivessem sempre acompanhados por guardas ao sair da cela. As autoridades tomaram medidas imediatas, com a Polícia Judiciária e outros órgãos de segurança a serem notificados. Além disso, um inquérito interno foi aberto para investigar o incidente. A fuga gerou críticas à gestão do sistema prisional e causou alarme nas forças de segurança, com alertas emitidos até nas fronteiras.
No entanto, as fugas de prisões são eventos que capturam a atenção pública e frequentemente ganham cobertura intensa dos media há muitos anos. Quando abordamos este assunto não podemos, naturalmente, esquecer uma das fugas mais lendárias da História, que ocorreu a 11 de junho de 1962 na prisão de segurança máxima de Alcatraz, localizada numa ilha na baía de São Francisco. Três prisioneiros, Frank Morris e os irmãos John e Clarence Anglin, conseguiram escapar usando ferramentas improvisadas para cavar um túnel nas paredes das suas celas. Construíram uma jangada de borracha a partir de capas de chuva. Embora oficialmente nunca tenham sido encontrados e dados como desaparecidos, muitos acreditam que se afogaram. No entanto, até hoje, persistem teorias de que sobreviveram, o que alimentou a fama desta fuga. O acontecimento resultou na criação do filme “Escape from Alcatraz” (1979). Com Clint Eastwood no elenco e dirigido por Don Siegel, contou a história real da fuga que muitos acreditavam ser impossível devido à localização da prisão numa ilha. O filme explora em detalhe o plano meticuloso dos prisioneiros para escapar.
Mas recuemos no tempo. Durante a Guerra Civil Americana, a 9 de fevereiro de 1864, 109 prisioneiros da União escaparam do campo de prisioneiros de guerra Libby, na Virgínia, controlada pela Confederação. Este foi um dos maiores sucessos de fuga em massa da história militar dos EUA. Utilizando túneis cavados sob a prisão, mais de metade dos prisioneiros conseguiu retornar em segurança às linhas da União. Por outro lado, durante a Segunda Guerra Mundial, a prisão Montluc, em Lyon, França, foi usada pela Gestapo para deter prisioneiros de guerra, judeus e membros da resistência francesa. A 24 de agosto de 1943, Jean Moulin, um importante líder da resistência, foi preso lá. No entanto, uma fuga em massa foi organizada pelos próprios membros da resistência, resgatando dezenas de prisioneiros. Embora nem todos tenham escapado, a fuga tornou-se um símbolo da resistência francesa contra a ocupação nazi.
A fuga de Billy Hayes, um jovem americano preso na Turquia por tráfico de haxixe, inspirou o filme “Expresso da Meia-Noite”. Em 1975, após anos preso em condições brutais, Hayes conseguiu escapar da prisão. Embora não tenha sido uma fuga em massa ou particularmente violenta, a sua história ganhou grande notoriedade devido ao impacto do filme e à visão que ofereceu sobre o sistema penitenciário turco. Ao assistirmos ao mesmo, percebemos que Hayes foi capturado no aeroporto de Istambul enquanto tentava embarcar com dois quilos de haxixe escondidos debaixo da roupa. Foi condenado inicialmente a uma pena relativamente leve, mas, após uma reviravolta judicial, a sua sentença foi aumentada para 30 anos de prisão. Grande parte do filme passa-se na prisão turca onde Billy enfrentou condições brutais e desumanas. Sofreu abusos dos guardas, viu outros prisioneiros em situações extremas e lidou com o desespero de não saber quando, ou se, seria libertado. Ao longo do tempo, a degradação física e psicológica aumentou, levando Billy a planear uma ousada fuga da prisão. O filme é conhecido pelas suas cenas intensas e pela crítica à brutalidade do sistema prisional turco, embora tenha sido criticado pelo seu retrato estereotipado e negativo da Turquia. A história de Billy Hayes tornou-se amplamente conhecida e o filme foi aclamado, recebendo vários prémios, incluindo dois Óscares.
Já esta é considerada uma das maiores fugas em massa da Europa moderna. Maze Prison, localizada na Irlanda do Norte, era uma prisão de segurança máxima usada para reter prisioneiros paramilitares durante o conflito na Irlanda do Norte. A 25 de setembro de 1983, 38 membros do IRA (Exército Republicano Irlandês) conseguiram escapar após dominar vários guardas e tomar controlo de uma área da prisão. A operação foi altamente coordenada e envolveu o uso de armas de fogo contrabandeadas. A fuga foi um grande golpe para o governo britânico e amplamente noticiada. “Hunger” (2008) é um filme baseado na fuga e greves de fome de prisioneiros do IRA em Maze. Dirigido por Steve McQueen (Sir Steve Rodney McQueen), retrata a história dos prisioneiros do IRA que realizaram uma greve de fome como protesto contra o governo britânico, resultando na morte de Bobby Sands e outros. Embora não seja sobre a fuga em massa de Maze em 1983, o filme aborda a atmosfera tensa e política dentro da prisão de segurança máxima.
Outra fuga que também foi noticiada incessantemente foi a do famoso narcotraficante Pablo Escobar, que arquitetou a mesma a 22 de julho de 1992. Após negociações com o governo colombiano, Escobar concordou em ser preso, mas escolheu a sua própria prisão, conhecida como La Catedral, que foi basicamente construída para o seu conforto. Quando o governo tentou movê-lo para uma prisão mais convencional, Escobar e os seus homens armados simplesmente fugiram. Este evento representou uma enorme humilhação para o governo colombiano e foi um marco na história da guerra contra o narcotráfico. Devido a este acontecimento, nasceu “Narcos” (série de TV, 2015-2017), sendo que esta série da Netflix cobre a ascensão e queda de Pablo Escobar, incluindo a sua prisão e a fuga altamente planeada da prisão. A série mostra a impunidade com que Escobar operava e as consequências da sua fuga para o governo colombiano.
A 11 de fevereiro de 2001, 123 reclusos fugiram da Casa de Custódia de São Paulo, conhecida como Carandiru, a maior prisão do Brasil à época. A fuga foi organizada pela fação criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) e envolveu o uso de armas e a rendição de diversos guardas. A fuga em massa teve um enorme impacto na segurança pública do Brasil e foi um dos eventos que ajudou a consolidar o PCC como uma força dominante no submundo do crime. Mais recentemente, o chefe do tráfico de drogas mexicano Joaquín “El Chapo” Guzmán realizou uma fuga que espantou a maioria das pessoas a 11 de julho de 2015, da prisão de segurança máxima de Altiplano. Escapou através de um túnel cavado a partir da sua cela, que tinha cerca de 1,5 km de comprimento e estava completamente equipado com iluminação, ventilação e uma motocicleta adaptada para que se movesse pelos trilhos. A fuga foi um grande embaraço para o governo mexicano, dada a notoriedade de Guzmán. O homem foi recapturado em 2016. Esta fuga foi adaptada para o grande ecrã através de “El Chapo” (série de TV, 2017-2018). Esta série da Netflix retrata a vida de El Chapo, o infame traficante mexicano que fugiu duas vezes de prisões de segurança máxima. A série cobre tanto a fuga de 2001 quanto a mais impressionante em 2015.
Para compreender melhor este fenómeno, a LUZ conversou com António Pedro Dores. doutorado em Sociologia pelo ISCTE, professor universitário do ramo da Sociologia da Violência e fundador da Associação Contra a Exclusão e pelo Desenvolvimento. «Os presos querem sair das prisões por uma questão de saúde. A reclusão é um sequestro legal que é desenhado para reduzir a vida dos presos. Reduz a liberdade das pessoas a quatro paredes e a um espaço de 4m2, isolando-as da sociedade. Tal situação é de tal modo incomportável que a propensão ao suicídio aumenta e os serviços prisionais estão obrigados a oferecer pátio, isto é, durante algumas horas por dia os presos devem ter acesso a um espaço a céu aberto», começa por explicar. «A lógica da pena para expiar os crimes cometidos é fazer os condenados esperar ansiosamente pela libertação (os anglo-saxónicos dizem ‘fazer tempo’). Há quem não aguente a maldade organizada oficialmente e fuja. Numa parte importante das fugas os reclusos dirigem-se a suas casas para voltar a sentir o conforto do lar. Auto-administram uma saída precária, digamos assim. É lá que os agentes prisionais se dirigem em primeiro lugar. Frequentemente com sucesso», esclarece o docente universitário que também coordena o Observatório Europeu das Prisões.
«Imaginar fugas é uma das ocupações dos presos, sem nada para fazer. Concretizá-las é outra coisa. Uma parte dos casos, já vimos, é apenas para descansar da tensão carcerária por umas horas ou para chamar a atenção dos serviços sobre si. Mas há casos, como aquele que tem vindo nas notícias, em que são pessoas poderosas que julgam ter meios de escapar à justiça – como mostra a impunidade geral das classes mais altas – e não hesitam em usá-los», elucida. «Podem levar consigo quem estiver disposto a encontrar formas de escapar à justiça. Mas esses – deslumbrados ou não – são poucos, como mostra o caso de Vale de Judeus. Era fácil sair, mas poucos usaram as facilidades», frisa António Pedro Dores, sendo direto quando questionado sobre a forma as desigualdades sociais influenciam as taxas de fuga nas prisões? «Já respondi indiretamente à pergunta. Quem pode contratar tropa de elite para proteger a fuga no exterior? Quem tem possibilidade, com esta crise de habitação, de se alojar em casas diferentes e trocar de telemóvel todos os dias?», pergunta.
«Se deixar de haver sequestro legal, a justiça será mais prestigiada e as fugas serão seguramente reduzidas – se as prisões deixarem de funcionar, as fugas serão nulas. Coloca-se o problema do que fazer aos bandidos perigosos, como dizem ser o caso dos fugitivos de Vale de Judeus. Nesses casos terá de haver formas de retenção das pessoas significativamente mais seguras do que as atuais (mesmo nas prisões de alta segurança)», declara, avançando que «a banalização da segurança, como ocorre nas prisões, resulta em fortíssima insegurança da população prisional – este fim de semana houve uma manifestação para denunciar alegados homicídios encobertos pelo sistema criminal (infelizmente, não é novidade, embora muito menos excitante para a comunicação social do que as fugas)». «Resulta também, como se demonstra com o caso, em incapacidade de segurança em relação às pessoas mais perigosas, estejam elas dentro ou fora das prisões. Não é preciso criar ambientes prisionais de atropelo dos direitos humanos, como se faz hoje contra milhares de pessoas indefesas. É preciso dar prioridade às penas alternativas da prisão, as que não são privativas da liberdade, e reservar as prisões para as muito poucas pessoas perigosas, acompanhando-as com uma guarda eficaz e profissional, isto é, não vingativa e capaz de abolir a tortura em Portugal», diz o autor de trabalhos como “Direitos Humanos no sistema penal-penitenciário” (2020).
Quanto a eventuais padrões recorrentes nas fugas de reclusos em Portugal, o docente é igualmente assertivo: «Não há fugas recorrentes. O que caracteriza qualquer sistema prisional é a vontade inacreditável dos condenados em cumprirem as penas nas condições desumanas que lhes são impostas. De outro modo as prisões seriam inabitáveis, como mostrou a experiência de Standford descrita no livro Lucifer Effect (versão em espanhol disponível). De facto, ocasionalmente, sem que seja previsível quando isso acontece, há motins nas prisões: sem a colaboração dos presos, as prisões tornam-se efetivamente inabitáveis», salienta e menciona: «Não tenho conhecimentos para especular sobre o valor práticos da produção de perfis de criminosos».
Importa referir que António Pedro Dores recorre a As prisões além do sensacionalismo, publicado no jornal digital 7MARGENS, para ilustrar aquilo que está em causa. O texto escrito por Manuel Hipólito Almeida dos Santos, presidente da OVAR (Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos), critica a atenção sensacionalista dada à recente fuga dos reclusos da prisão de Vale de Judeus. Argumenta que as condições degradantes e desumanas das prisões portuguesas são um problema estrutural que tem sido denunciado há anos, sem que haja melhorias significativas. O autor destaca que problemas como a sobrelotação, alimentação deficiente, violência, tráfico de drogas e a falta de apoio à reinserção social continuam a ser ignorados pelo poder político, apesar dos alertas contínuos de diversas entidades e órgãos internacionais. Critica ainda a hipocrisia dos políticos que reconhecem os problemas, mas não agem, e alerta para a possibilidade de uma amnistia/perdão de penas como resposta ao estado atual das prisões. No final, defende o abolicionismo prisional, sugerindo que, tal como a escravatura e a pena de morte foram abolidas, também as prisões deveriam ser repensadas em favor de soluções mais humanas.
«A comunicação social reforça os preconceitos sociais sobre o que sejam as prisões, seguramente por falta de conhecimentos. Eventualmente colabora com as polícias com resultados práticos que não tenho conhecimentos para avaliar», continua, adiantando, relativamente às implicações sociais e institucionais das fugas da prisão para o sistema de justiça e para os próprios reclusos: «As fugas não têm consequências a não ser para os presos que são apanhados – quase todos – e para os guardas que possam ser culpabilizados. No caso vertente, apenas porque a comunicação social insistiu no assunto – talvez por ser Verão e haver poucas notícias – rolou a cabeça do Diretor-Geral e a ministra também não ficou bem vista. O debate sobre o assunto, esse, vai continuar congelado até que um dia seja possível conversar sobre as cumplicidades institucionais nas violações dos direitos humanos dos presos», ressalta. «Para os fugitivos, geralmente a duração das penas aumenta e são-lhes aplicadas as habituais retaliações clandestinas sob a proteção da cadeia de comando que se recusa a tomar conhecimento daquilo que é a forma imaginária de vingar a alegada vergonha dos serviços e do estado», conclui.