Regresso às aulas

Apesar das dificuldades, havia entre os alunos e professores um grande respeito, coisa rara nos dias de hoje. As brincadeiras no recreio, as amizades e as pequenas aventuras do dia a dia escolar são memórias que guardo com carinho.

Querida avó,

Nesta altura do ano, é inevitável não falarmos do “Regresso às Aulas”.                 
Diariamente passo por um colégio que fica aqui ao virar da esquina. Não existe um único dia em que as criaturas não fiquem num pranto e os pais não sigam o seu caminho de lágrimas nos olhos.

Como é obvio, estou a falar de crianças em idades de pré-escolar. Espero que com os mais velhos não aconteça o mesmo!

Entrei para a escola ainda com 5 anos (fiz 6 em novembro). Tinha passado os meus primeiros 5 anos de vida em casa dos meus avós. Depois de fazer os 5 anos andei uns meses numa creche até ir para a escola. Aliás, nem sei se existia pré-escola nos anos 70.

A minha mãe levou-me à escola nos primeiros dias. Também eu ficava num berreiro e ela arrastava os pés para o trabalho de lágrimas nos olhos. No segundo dia de aulas fui “agarrado e num pranto”. Entretanto… habituei-me àquele “novo normal”.

A sala de aulas, naquela altura, parecia-me enorme. Cheia de crianças, com poucos meses de diferença. A primeira geração a entrar na escola após o abril de 74.

Fiz até à 4º classe com a mesma professora. Sempre no turno da manhã. Ao contrário da creche, na escola já não usávamos bibes. Já não tínhamos de rezar na escola. Nem tínhamos a foto de ditadores por cima do quadro.

Ainda cheguei a usar ardósias. Aliás, parti uma na cabeça de um colega.  Insistia em dizer para uma colega ir estudar para a terra dela (devia ser o que ouvia em casa). Para mim, a terra dela era a mesma que a minha, pois vivia no mesmo prédio onde eu vivia. A minha mãe explicou-me que ela, tal como os pais, era “retornada”. Por isso o “vai aprender para a tua terra”. A minha mãe comprou-me outra ardósia sem repreender-me. Apesar de não ser apologista da violência, também nunca concordou com injustiças nem discriminação.

É assim que recordo o início do meu percurso escolar.

Bjs

Querido neto,

Como sabes, os meus primeiros anos de aprendizagem foram em casa. Sou do tempo em que grande parte das crianças, tal como os pais, era analfabeta. Poucos iam à escola.              

As salas de aula eram frias e desconfortáveis, especialmente no inverno. Os recreios eram muitas vezes enlameados ou cheios de pó, dependendo da estação do ano.

Muitos alunos tinham de percorrer longas distâncias a pé para chegar à escola, enfrentando chuva, vento e frio.

As famílias com mais posses optavam pelo ensino doméstico.

Só muito mais tarde, depois de entrar no Filipa de Lencastre, soube o que era ir à escola.

As escolas eram bastante rígidas e a disciplina era muito valorizada. Os alunos usavam fardas e havia uma separação clara entre rapazes e raparigas, que estudavam em salas diferentes.

Aliás, de norte a sul do país ainda consegues encontrar algumas escolas com essa indicação do passado.

Os materiais escolares não tinham nada a ver com os de hoje. Eram simples e muitas vezes escassos. Os cadernos e livros eram passados de geração em geração, e os alunos tinham de cuidar muito bem deles. As aulas eram centradas na memorização e na repetição, com pouca ênfase na criatividade ou no pensamento crítico. Tínhamos de saber os rios todos de Portugal, e das Colónias. Os caminhos de ferros de norte a sul do país…

Além disso, o ambiente escolar refletia o regime autoritário da época. Havia uma forte presença de símbolos nacionais e a educação moral e cívica era uma parte importante do currículo, com o objetivo de formar cidadãos obedientes e patrióticos, imagina.

Apesar das dificuldades, havia entre os alunos e professores um grande respeito, coisa rara nos dias de hoje. As brincadeiras no recreio, as amizades e as pequenas aventuras do dia a dia escolar são memórias que guardo com carinho.

Um dia destes falo-te da “Mocidade Portuguesa Feminina”.

Bjs