O Orçamento e o Chega

A partir das últimas eleições, o Chega deparava-se com uma escolha decisiva: continuar como partido de protesto ou assumir uma posição construtiva. Prosseguir na tarefa de demolição das instituições ou começar a participar na construção de uma alternativa.

As discussões sobre o Orçamento não me interessam absolutamente nada.  Não se discute, como seria natural, qual deverá ser a estratégia a seguir pelo país, onde deveríamos apostar mais, que setores deveríamos estrategicamente desenvolver.  Não se discute se se deveria investir mais na saúde, ou na educação, ou na defesa, ou na formação profissional, ou no apoio à indústria…      

Não: discute-se pura tática política.

Se ao PS Interessa ou não derrubar o Governo, se ao Governo interessam ou não eleições, se o Chega pretende isto ou aquilo, etc.

Dito de outro modo, discutem-se politiquices.

Mas, mesmo que se discutisse o Orçamento, isso não teria grande interesse, porque os orçamentos não são para cumprir.

Não passam de ficções.

Com o Orçamento aprovado, o Governo faz depois o que entender.

O que me tem surpreendido mais nesta discussão comezinha é a posição do Chega.

Os leitores sabem que acho que o Chega tem um papel a desempenhar no país.

É o único partido que assume sem complexos o nacionalismo.

É o único partido que critica sem complexos a imigração desregrada.

É o único partido que combate sem complexos o wokeísmo.

Bastaria isto para fazer dele um partido necessário, pois – pelo que vou vendo e ouvindo – estas são preocupações de muita gente.

E, sendo o Chega o único partido que as exprime, faz falta.

A partir das últimas eleições, em que conseguiu 50 deputados, o Chega deparava-se com uma escolha decisiva: continuar como partido de protesto ou assumir uma posição construtiva.    Prosseguir na tarefa de demolição das instituições ou começar a participar na construção de uma alternativa.

Ora, vamos ver: para continuar a crescer, que eleitores o Chega precisaria de conquistar?

Os mais radicais ou os mais moderados?

Os ‘indignados’, situados à esquerda ou à direita, ou os ‘desiludidos’, sobretudo com o PSD?

Parece que, nos ‘indignados’, já André Ventura conquistou o que tinha a conquistar.

Não há nenhum partido que lhos possa roubar.

O que o Chega tem agora para ocupar é, pois, o terreno entre ele e o PSD.

O terreno em que se situam eleitores relativamente moderados, mas desiludidos com a falta de audácia de Luís Montenegro para fazer reformas.

Nestes é que Ventura precisava de apostar em força.

Na novela do OE, o Chega tinha a faca e o queijo na mão.                          

Bastaria o seu voto para o Orçamento ser aprovado, evitando uma crise que ninguém deseja. Mas envolveu-se numa trapalhada que ninguém percebeu.

Começou por fazer uma proposta insólita: votaria a favor do OE se o Governo aceitasse realizar um referendo sobre a imigração.

Ora, a imigração é um problema real, grave, que tem de ser debatido e provavelmente poderá ser referendado.

Não vejo por que não.

Mas com franqueza: que tem isso a ver com o OE?

Parece o negócio do queijo Limiano, que acabou por desgastar tremendamente António Guterres: tu dás-me isto e eu viabilizo aquilo.

Transforma o debate sobre o OE numas contas de merceeiro, de trocas e baldrocas, sem qualquer elevação.

Que diabo, a política tem de ter um mínimo de dignidade!

E, com propostas destas, o Chega não se dignifica.

Os partidos populistas, como o Chega, assumem-se como críticos dos partidos tradicionais e dos políticos tradicionais, denunciando as suas manobras, as maquinações de bastidores, as combinações nas costas do povo, a troca dos interesses do país pelos interesses partidários.
É suposto os partidos populistas terem um comportamento diferente, menos politiqueiro.
Mas o Chega, em vez de se distanciar dos outros, aproximou-se.

Tem mergulhado na jogada tática, no diz-que-diz, no golpe destrutivo.

O que querem as pessoas: que os políticos resolvam os problemas ou se envolvam em querelas estéreis – na tal politiquice?

A resposta parece-me óbvia.

Ora, o que tem feito o Chega desde as últimas eleições?

Tem obstaculizado a governação, tem levantado polémicas inúteis (como a questão das gémeas ou a ‘traição à pátria’ do PR), tem inviabilizado soluções razoáveis, tem-se aliado ao PS para combater o PSD.

Será assim que Ventura atrai os moderados, os desiludidos com o PSD, que precisa de conquistar?

Será a destruir que o Chega cresce?

Alguém nesta novela está equivocado.

Ventura não percebeu a diferença entre ter 5 e 50 deputados.

jose.a.saraiva@nascerdosol.pt