Na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, generalizou-se na sociedade portuguesa a utilização da expressão ‘pesada herança’.
Depois de 2015, passou a utilizar-se, com inegável proveito eleitoral, a referência à ‘herança de Passos Coelho’.
Herança que era necessário reverter para que o país singrasse, finalmente, no caminho do progresso económico e da coesão social.
Agora, com maior ou menor assertividade, começa a falar-se na ‘herança costista’, que impede a criação de um projeto nacional de desenvolvimento.
Apesar tantas heranças ainda não tenha apareceu ninguém a reclamá-las mesmo que a simples benefício de inventário.
E tal seria bem acertado porque quer a ‘pesada herança fascista’ quer a ‘herança de Passos’ tem um ou outro ponto, para sermos modestos, que também ajudaram positivamente a construir o país que, atualmente, somos.
Deixando para os historiadores a análise objetiva dos períodos correspondentes às duas primeiras heranças, fixemo-nos na herança da atualidade.
A sociedade portuguesa está mergulhada numa profunda crise moral que se agravará muito mais (até quanto?) se lhe for adicionada uma crise política.
Já ninguém tem dúvidas que essa indesejável crise política surgirá na sequência da rejeição do Orçamento de Estado para o próximo ano.
Ora esta situação limite não surgiu do nada nem caiu do céu como a chuva do outono.
Só revela espanto quem andou MUITO distraído.
Em 2015 o PS iniciou um processo irreversível de conquista do poder, sem respeito por regras aceites e sem respeito pela cultura do partido de Soares.
Tudo foi subordinado à agenda pessoal de António Costa.
Com enorme sucesso, aliás.
Naturalmente que esse comportamento enfraqueceu a cultura do partido e, mesmo quando isso não se torna imediatamente visível, criaram-se condições para, perante dificuldades, se entrar num processo de desagregação.
Os adversários da ‘geringonça’, mesmo quando, taticamente, se mantém silenciosos e aparentemente conformados, não esqueceram.
Entre 2015 e 2024 passaram mais de oito anos de enganos, com a sensação de que o país avançava e progredia mas efetivamente estagnava, pois os investimentos não se concretizavam (as famosas cativações) e as indispensáveis reformas estruturais causavam desconforto confessado ao chefe de Governo.
Entretanto o objetivo principal foi atingido.
O ‘dono da obra’ foi escapando entre os pingos da chuva política, esperou com paciência oriental a melhor oportunidade, agarrou-se a um inofensivo parágrafo dum comunicado da PGR, construiu e mandou construir uma teoria de ‘golpe de Estado’ e abandonou o palco cheio de fictícios créditos e razões de queixa.
‘Abandonou’ é uma forma de dizer pois, realmente, depois do anúncio do início de uma suposta carreira profissional, atirou-se, com determinação, à conquista de um lugar de poder na UE, como sempre foi o seu desejo.
Conseguiu. Por isso está de parabéns. Veremos se Portugal e a Europa poderão dizer o mesmo.
Este é o resumo sintético da ‘herança costista’ bem evidente na degradação dos serviços públicos, na desagregação social, na criação de um quadro limite de implosão política, no fortalecimento de narrativas extremistas de extrema esquerda e direita, claramente identificados nos movimentos grevistas em curso e, nomeadamente, na indefinição de um modelo de desenvolvimento para o país que ainda não é suficientemente penoso para as pessoas, graças aos apoios europeus que não cessam de chegar. Até quando’
É claro que todas as ‘heranças” deixam algo de aproveitável e o país, beneficia de um quadro macroeconómico aceitável.
A dívida pública está controlada, o saldo orçamental positivo já não é uma quimera, as empresas resistem o que permite manter o emprego (apesar dos baixos salários) e o povo, como dizia alguém , é sereno.
As heranças recebem-se com o bom e com o mau, com o ótimo e com o péssimo.
Cabe a quem detém o poder trabalhar e tentar obter os melhores resultados.
Mas cabe também à oposição responsável (ou seja ao PS) criar condições para que os mandatos legítimos sejam respeitados e os programas de governo, não rejeitados na AR, sejam cumpridos.
A viabilização do OE é necessária; as negociações taticistas são dispensáveis.
Não pode haver desculpa para quem não o entender e for incapaz de colocar o interesse do país à frente do interesse partidário.