A malaise da União Europeia (UE) poderia chamar-se ‘raquitismo da produtividade’. Sintomas: crescimento lento da produtividade do trabalho face aos EUA. Sequelas: divergência do rendimento médio per capita relativamente aos EUA, estagnação do nível de vida, dificuldade em financiar o modelo social europeu sobretudo num cenário e estagnação populacional, crescente irrelevância global e vulnerabilidade geopolítica. A doença e seus os sintomas eram conhecidos e há muito que haviam sido diagnosticados. O médico Dr. Mario Draghi – esse magnifico Doctor House que já uma vez salvou a União – e a sua equipa analisaram as raízes profundas da doença e propuseram a terapêutica que acharam adequada. Foram exaustivos, detalhados e certeiros. A cura, todavia, parece-me exigir muito mais colaboração do paciente do que aquela que ele pode ou quer dar. As perspetivas não são, pois, animadoras.
Grande parte propostas exige coordenação de estratégias, políticas, medidas e execução em áreas muito diversas – I&D, infraestruturas de transporte e elétricas, comércio e investimento externos, desenvolvimento industrial e ambiente –, alimentadas por um aumento do investimento produtivo de 22 para 27 % do PIB da EU. Todo este esforço pressupõe um enorme momento Hamiltoniano de abdicação de soberania e capacidade de decisão nacionais. As principais medidas propostas têm um caráter de bem público que, postas em prática, beneficiarão a EU como um todo. Contudo, os seus custos e benefícios impactarão assimetricamente os diferentes estados-membros e as suas regiões. Essas assimetrias serão logo visíveis, por exemplo, quando se decidir a localização de futuros investimentos estratégico ou de centros avançados de I&D: o pork-barrel subsequente fará empalidecer qualquer conflito que tenha existido no passado relativamente à localização de agências da União ou da distribuição de pelouros da Comissão. O caso do IDE (extra UE) ilustra também as dificuldades colocadas pelos posicionamentos nacionais. Draghi mostra-se preocupado com facto do investimento direto chinês ser negociado a nível nacional por estados-membros que têm, por vezes, reduzida capacidade negocial, e propõe a criação de um mecanismo de ‘filtragem’ ao nível de Bruxelas que permita aferir a compatibilidade desses investimentos com a estratégia mais ampla da União. Seria interessante saber como reagiriam os estados da Europa Central e de Leste, cuja avaliação da ‘ameaça chinesa’ é muito própria, a tal sugestão. Ou, num segundo exemplo, como reagirão os grandes produtores de armamento (dos tais 12 modelos distintos de tanques de guerra em operação na Ucrânia em contraste com um único modelo americano) à consolidação das suas indústrias de defesa. E não falo do financiamento de todo este esforço estratégico: 800 mil milhões de euros por ano que exigirão direta ou indiretamente (através da emissão de dívida conjunta) a participação de orçamentos nacionais cujos espaços fiscais são, à partida, muito distintos.
Parece-me que a pecha fundamental do relatório Draghi, e que o torna em larga medida irrealizável, é a desvalorização de que a União Europeia é uma União de estados soberanos com séculos de independência, e de povos cuja primeira lealdade é à sua pátria. Um exemplo: o relatório considera que a liderança mundial da EU na inovação em clean tech pode estar em causa por falta de uma estratégia industrial equivalente à das outras ‘principais regiões’ [sic, sublinhado meu]. A escorregadela freudiana é clara: os estados-membros não são ‘regiões’: são países e nações. Isso, no fim, faz toda a diferença em termos de vontade de coordenar, agilidade de processos e no orgulho nos resultados.
Professor universitário