A Auditoria à Privatização da ANA sofre pela falta de visão objetiva, de ligação ao contexto da época e de ignorância do mercado. O país precisa de auditoria que contrarie, em vez de alimentar, a intoxicação em volta do assunto. 1. O governo privatiza a ANA em 2012 por imposição do Programa de Assistência Económica e Financeira que evita o default do país e pelo escrutínio cerrado dos credores sobre a sua execução. O Tribunal de Contas (TC) ignora esta circunstância e começa a criticar o governo por privatizar a ANA em «contexto adverso (em urgência e situação recessiva»), como se o timing fosse de sua escolha. A privatização a 100% tem racionalidade de mercado. Face à consolidação das companhias full service e reforço das low cost, a ANA estatal não tem o poder negocial com os clientes que passa a ter, se integrada em Cadeia Global de Valor, caso da Vinci. Várias ANA’s em concorrência interna, entre Lisboa e Porto por exemplo, fariam as delícias da Ryanair e outras. 2. Os riscos do objetivo «maximizar o encaixe financeiro» são desmentidos pela realidade. O ‘enterprise value’ é avaliado entre 2.180 e 2.495 milhões de euros (p. 25). A Vinci paga €3.080 milhões à partida (15,5 múltiplo da EBDITA e €628 milhões acima do segundo) e uma previsão de €2.947 milhões, em percentagem do lucro a partir de 2023 (OE2023, p.171). O TC receia a solidez da oferta da Vinci, ignorando ser preço de oportunidade por a ANA ser crucial no arranque do seu negócio de Concessões Aeroportuárias, então incipiente e hoje sucesso que faz da Vinci Aéroports um dos líderes mundiais. Entre 2013/2023, o resultado líquido acumulado é €1.870 milhões, 62% do enterprise value pago pela Vinci, o que desmente a intoxicação dominante. 3. Sobre a Privatização «reforçar a posição competitiva, o crescimento e a eficiência em benefício do país», até o Relatório Final da Comissão Técnica Independente conclui «globalmente, a concessão apresenta um desempenho económico-financeiro muito forte, com evidentes melhorias do ponto de vista da eficiência e produtividade, tendo também beneficiado de um contexto de crescimento de atividade muito positivo». Entre 2012/2023, o indicador «resultado líquido por passageiro» passa de €1,8 a €6,3, crescimento explicado pela competitividade da ANA privada. Sobre desequilíbrio a favor da ANA no Novo Aeroporto de Lisboa, o verdadeiro problema é a megalomania da proposta da CTI em si e por implicar conflito com a Concessionária, de custo irrealista. O governo já desmontou parte da megalomania, a ANA vai introduzir a racionalidade do mercado e os contribuintes vão agradecer. 4. Sobre os resultados líquidos da ANA entre 2014/22, o TC conclui, «a manter-se este nível de rentabilidade», ao fim da Concessão «seriam gerados €23.301 milhões de resultados líquidos acumulados” e o Estado receberia €2.947 milhões», (p. 34). O TC ignora que, em 2012, quando é negociada a venda da ANA, ninguém ousava prever o surto de crescimento do mercado entre 2014/19. Prever que o ritmo de 2014/22 se mantenha até ao final da Concessão em 2062 é ignorar o mercado. 5. A ANA privada posicionou os aeroportos do país em patamar superior de desenvolvimento. As críticas fundamentadas são válidas, mas o surto de intoxicação em curso é abusivo.
Analista sénior de turismo e transporte aéreo, militante do PS