Nuno Melo, a quem foi oferecida a pasta da Defesa Nacional, resolveu fazer prova de vida e, aproveitando-se de uma cerimónia militar a que presidiu perto da fronteira terrestre com os nossos vizinhos espanhóis, veio levantar uma questão há muito adormecida, a da propriedade de Olivença, reivindicando para Portugal a sua posse.
Como seria de esperar, um coro de vozes de protesto por esta sua ousadia fizeram-se ouvir um pouco por todo o lado, sendo que a maior ressonância ecoou junto das hostes em que habitam todas as esquerdas.
À direita ouviu-se apenas silêncio, em particular dentro do governo, que se recusou a manifestar qualquer tipo de solidariedade com as palavras proferidas por um dos seus.
Para a generalidade da imprensa, suportada pelos habituais comentadeiros da nossa praça, o grito de Melo mais não passou do que um acto irresponsável e hostil para com um país com quem queremos manter as melhores relações diplomáticas, exigindo-se uma pesada reparação por parte do poder executivo.
Discutiu-se tudo, excepto o essencial, ou seja, a legitimidade de Portugal em reclamar uma parcela do seu território, assim reconhecida pelo direito internacional a que todos os países estão vinculados.
Na verdade, Melo limitou-se a difundir aquela que é, e sempre foi, a posição oficial do Estado português, ou seja, a de que Olivença é pertença de Portugal, estando a ser abusivamente ocupada por Espanha, à revelia das convenções estabelecidas entre Estados independentes.
Olivença é cidade portuguesa desde o século XIII, tendo sido ocupada pela força das armas pelos espanhóis em 1801, como represália por incursões militares portugueses num território hoje conhecido como Uruguai.
Em 1815, o Congresso de Viena condenou a invasão espanhola de Olivença, reconhecendo-a como fazendo parte integrante do Estado português e obrigando os nossos vizinhos a nos devolver, no mais curto espaço de tempo, essa parcela territorial de que se apropriaram ilegitimamente, decisão que os espanhóis se comprometeram a acatar.
Desde então Portugal nunca deixou de reivindicar a posse de Olivença, porque a Espanha tem-se feito esquecida do compromisso que assumiu há já dois séculos, razão pela qual é de estranhar todo o burburinho que se levantou à volta das palavras proferidas pelo responsável pela pasta da Defesa Nacional.
Invocaram-se as boas relações entre os dois países para que esse assunto se deva manter tabu, prática que a manter-se activa mais não representa do que uma vergonhosa capitulação dos portugueses perante um outro povo que violou a nossa soberania, abrindo-se, dessa forma, um precedente que poderá conduzir a novas incursões em território luso.
Não é por acaso que os últimos quatro presidentes da república tenham feito questão de pisar solo das Ilhas Selvagens, tendo mesmo Cavaco Silva ali pernoitado uma noite, sabendo-se da cobiça dos espanhóis por aquelas paragens que nos pertencem, sendo certo que nunca descartaram as intenções de as virem a ocupar igualmente pela força, se necessário.
Quanto à questão da manutenção de boas relações com os nossos vizinhos mais próximos, tal não passa de uma hipocrisia!
A título de exemplo, recorde-se que a Espanha nunca desistiu de recuperar o rochedo de Gibraltar, fazendo gala de não deixar cair no esquecimento essas suas pretensões, nomeadamente nos diversos fora internacionais com competência para arbitrar conflitos territoriais entre Estados, apesar de ter mantido sempre excelentes relações diplomáticas com o Reino Unido, com quem, aliás, durante décadas conviveu no seio da União Europeia.
As duas Casas Reais reinantes em ambos os países têm, além de mais, fortes laços familiares, facto que jamais foi impeditivo para que os espanhóis continuem a lutar pela posse daquela pequena parcela de terreno que reclamam como seu.
Portugal tem a obrigação moral de se continuar a bater pela exigência da devolução de Olivença, sendo que qualquer português que defenda publicamente o contrário arrisca-se a ser indiciado por um crime de lesa-Pátria, considerando que, com esse gesto, estará a atentar contra a integridade territorial da Nação.
Por tudo isto, Nuno Melo esteve bem ao reafirmar aquela que é a posição oficial do Estado português.
No entanto, e pormenor revelador da ausência de fibra dos políticos da nossa praça, logo de seguida borrou a pintura, procurando, pateticamente, desdizer-se em parte.
Acossado por várias frentes como consequência da sua inicial frontalidade, não teve a coragem de se manter firme nas suas convicções enquanto estadista, vindo a público desculpar-se, reconhecendo um erro que em momento algum lhe deveria ter sido imputado fosse por quem fosse, sobretudo de quem tem responsabilidades dentro do aparelho do Estado, e dar-nos a notícia de que tinha falado como presidente do CDS e não como ministro da Defesa Nacional.
Triste espectáculo! Melo estava numa cerimónia militar, não enquanto dirigente partidário, mas sim como ministro da pasta que tutela, pelo que as suas declarações, mesmo que proferidas já no términos do evento e perante jornalistas que o abordaram, somente podem reflectir o pensamento do governo a que pertence e nunca o partido que o catapultou para a política!
Perdeu-se, assim, uma oportunidade de Portugal, ao mais alto nível, manter acesa a disputa por uma parte do seu território que lhe foi roubado.
Os espanhóis nunca nos vão restituir Olivença e por uma razão muito simples, que é a de que os portugueses, envenenados pela decrépita classe política que os tem desgovernado nas derradeiras décadas, tornaram-se frouxos e passaram-se a preocupar apenas com questões de somenos importância, baixando os braços quando está em causa a defesa da soberania nacional.
Longe vão os tempos em que o orgulho era a imagem de marca de qualquer português de bem!