O meu filho não queria ir a um campo de férias no Verão. Um campo onde esteve seis dias com adultos e animadores entre rios e serras, sem telemóveis ou videojogos e com miúdos da idade dele. O meu filho detesta dormir fora de casa. Por isso, e por todas as razões ligadas ao conforto e receio do desconhecido, fez tudo o que estava ao seu alcance para não ir. Como este é o sexto filho e o filme é repetido, garanti que ia com a certeza de que o fazia para o seu bem, crescimento, etc. Custou-me. Queixou-se e resistiu durante os primeiros dias, mas ambientou-se e chegou contente. Por se ter divertido, por se ter superado e por regressar a casa. Relatei tudo isto numa crónica escrita na altura. Usei alguma ironia e exagero para tentar mostrar que nós, pais, sofremos bastante quando decidimos fazer aquilo que achamos ser o mais certo que vai contra a vontade dos nossos filhos. E, quando cedemos, somos nós os mimados e não eles.
Dois dias depois desta crónica ter sido publicada, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) recebeu uma denúncia anónima, online. Diz o queixoso sem nome ou rosto que o “Filho de Inês” teria sido sujeito a uma situação de “violência emocional e psicológica” e podia estar em risco. Pedia-se uma intervenção. Uma queixa anónima para ser aceite requer apenas um nome e uma narrativa. Ponto. Mas o denunciante também tinha a morada. Pais e filho apresentaram-se, assim, na CPCJ mais próxima para serem notificados da denúncia. A queixa foi lida enquanto a criança esperava na sala ao lado. Explicamos o que tínhamos a explicar, o que foi escrito e assinado.
No entanto, o procedimento obriga a ir mais longe. Contactar a escola, conversar com a criança e fazer uma visita surpresa à morada de família. Caso os pais não autorizem, o processo é arquivado na CPCJ e segue caminho para o Ministério Público. Depois logo se vê qual o entendimento dos magistrados. O caso seguiu para o MP: os pais não autorizaram. Por várias razões: porque explicámos o que aconteceu, porque a CPCJ deve ter mais que fazer do que perder tempo e dispersar recursos com o relato da ida de um menino contrariado para um campo de férias, porque há nisto qualquer coisa de censura ao que se escreve (e não apenas ao que se fez) e porque quem não se sente não é filho de boa gente.
Passando por cima da questão mais do que consensual de que a proteção de menores passa pelas denúncias anónimas, o que está certo, este caso revela várias questões graves. Será que não há processos urgentes que exijam a atenção dos escassos meios disponíveis das CPCJ? Desde que passou a ser possível denúncias anónimas online, o número disparou e a triagem entre o importante e o que é só estúpido deixou de existir. O Estado disponibiliza aos cidadãos um mecanismo para poderem exercer os seus ódios, perseguir, etc. Um mecanismo que existe para proteger crianças em risco ou perigo eminente de maus tratos. Outro ponto, menos importante, é a liberdade de expressão e a confidencialidade dos dados pessoais. Sobre a primeira ficamos a saber que o espaço público é perigoso e assombroso. Sobre a segunda, ficamos a saber que não existe. Está a chegar o dia em que os “procedimentos” vão condicionar decisões como seja ter filhos. Para já é só como os educar. E ninguém vai reparar.