Por entre o grito aflito dos pobres diabos

A nova versão da Liga dos Campeões dividida entre carnificinas e revoltas como a do Benfica

Para os que, como eu, têm idade para ter memória, dói ver o grande Celtic ser destratado como um simples miserável desfeito em Dortmund por uma cabazada de 1-7. É a História do Futebol que se vilipendia, amarrada cada vez mais a interesses financeiros que protegem os poderosos e se estão nas tintas para os pobres diabos de campeonatos cada vez menos competitivos. No seu afã de impedir a criação de uma Superliga Europeia, a UEFA atirou-se de braços abertos para a sua própria Superliga com os resultados que estão aí, à vista de todos no esplendor da sua indecência. Em apenas duas jornadas os massacres multiplicam-se. O mesmo Celtic já dera 5-1 ao Slovan de Bratislava, o Bayern destruíra o Dínamo Zagreb por 9-2 (!), o Feyenoord levara 4 em casa do Leverkusen, o Barcelona-Young Boys acabou 5-0 e o Inter-Estrela Vermelha 4-0, tal como o Slovan-Manchester City, com triunfo inglês. Pelo meio, alguns momentos de revolta, como o do Lille, que depois de perder em Alvalade bateu o Real Madrid por 1-0 ou o do Brest que já vai com duas vitórias em dois jogos (em casa com os austríacos do Sturm Graz, 2-1, o e fora frente a outros austríacos, os de Salzburgo, 4-0). Não conto com a vitória do Aston Villa sobre o Bayern (1-0) porque se limitou a repetir a da final da Taça dos Campeões de 1982.

Veremos, portanto, quantas mais goleadas teremos de suportar, principalmente quando os jogos começarem verdadeiramente a doer e os pontos e os golos se tornarem decisivos como nunca.Serão muitas, não tenho dúvidas. E os gigantes não terão o mínimo de piedade.

A viola no saco

Manda o princípio da decência que se meta a viola no saco quando se fazem críticas negativas que, com o tempo, são desmentidas pela prática das coisas. Não me custa fazê-lo, eu que descrevi aqui todas as dúvidas que me assaltaram quando soube que seria Bruno Lage o substituto de Roger Schmidt. Apesar de o considerar um homem polido, de trato agradável, não via no seu perfil de treinador alma para devolver a uma equipa sem ela. O Benfica arrastava-se autenticamente no campo, era um farrapo, um barco à deriva adornando a cada vaga por mais pequena que fosse. Lage, pacífico como é, estaria longe de ser a solução ideal e, não por acaso, havia uma fação de adeptos benfiquistas que insistiam na contratação de Sérgio Conceição porque achavam que o assunto se resolveria aos berros, mesmo que elevar o ex-treinador do FC Porto a responsável pela equipa da Luz significasse uma inversão de todos os valores que norteiam um clube que não costumava ser de peixeiradas, e resumo estas peixeiradas à função do técnico principal, porque fora do relvado elas têm sido ultimamente dignas do mercado do Cais do Sodré.

É verdade que o sucesso de Bruno Lage só poderá ser medido no final da época e precisa de ganhar troféus – o título de campeão parece inalcançável desde que o Sporting mantenha a verve que tem mantido a nível nacional (a nível internacional, a exibição em Eindhoven, perante um adversário digamos agradável deixou dúvidas a pairar) – para fazermos as contas definitivas. Mas, enquanto não entramos na fase fundamental das competições, o novo treinador do Benfica já conseguiu algo de notável: 1. Encontrou um onze titular equilibrado; 2. Ressuscitou jogadores como Kökçü, Aursnes e Di María (que até ganhou compromisso defensivo); 3. Tem sido competente na gestão da equipa mostrando, como aconteceu perante o Atlético de Madrid, que está mais expedito no timing das substituições; 4. Recuperou a alegria e a confiança dos jogadores e essa alegria e confiança alargaram-se ao público que voltou a acreditar em mais momentos felizes.

Os anos que separaram as duas presenças de Bruno Lage no banco do Benfica não foram felizes para ele. Terá, talvez, encontrado nas derrotas contínuas que sofreu aprendizagem para se refazer, para se recauchutar e para se tornar mais forte em termos psicológicos. Por entre o grito aflito dos pobres diabos, o do Benfica frente ao Atlético de Madrid foi um dos mais intensos, até porque igualou as piores derrotas de sempre do Atlético nas provas europeias, pecando ainda o resultado por escasso se tivermos em conta mais duas ou três oportunidades flagrantes desperdiçadas. Para já, fez com que os encarnados subissem ao primeiro posto da classificação deste Campeonato da Liga dos Campeões no qual moram, lado a lado, sete equipas com seis pontos. Olhará para o futuro e verá, no imediato, a possibilidade de fazer mais seis ao receber Feyenoord e Bolonha (pelo caminho vai a Munique tentar não levar um dos cabazes com que o Benfica costuma de lá sair), o que não será suficiente para a qualificação direta mas que talvez garanta lugar nos play-off. Pelo caminho precisa de dissipar de imediato a onda de euforia que envolve a equipa e ganhar na Madeira, ao Nacional, no domingo (18h00), e não perder nenhum ponto até receber o FC Porto no dia 10 de novembro. Tem tudo para dobrar o ano como o homem certo no lugar certo. E engolirei, sem precisar de sais de frutos, a minha visão apocalíptica da sua chegada à Luz. Faz parte da vida de quem, como jornalista, teima em andar à chuva.